O globo, n. 30421, 20/11/2016. País, p. 10

Espera de 27 anos por nova lei sobre privilégios

Legislação em vigor prevê benefícios para a magistratura como auxílio-moradia e dois meses de férias por ano

Por: CAROLINA BRÍGIDO

 

Ao longo dos últimos 27 anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) adiou o plano de enviar ao Congresso uma nova Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). A legislação em vigor é de 1979 e contém uma série de privilégios que costuma ser alvo de críticas — como dois meses de férias por ano, auxílio-moradia e outros benefícios exclusivos da categoria. A atual presidente, Cármen Lúcia, ainda não incluiu a nova Loman na lista de prioridades. Ao se deparar com a minuta discutida pelo STF na gestão do antecessor Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia resolveu frear as tratativas para tentar impedir a aprovação de certos privilégios que, ao seu ver, não seriam republicanos.
Exemplo disso é a proposta de conceder passaporte diplomático a todos os juízes e o pagamento de gratificações extras para engordar mais os contracheques da categoria. Para Cármen, não é o momento de se discutir o assunto na mais alta Corte, dada a crise econômica pela qual o país passa, e também as críticas constantes aos privilégios já conquistados pela magistratura. A ministra deve conversar sobre o tema reservadamente com os colegas, mas não demonstra pressa em fazer isso.

O texto discutido recentemente no tribunal foi consolidado por Lewandowski. Ele era uma espécie de relator de comissão criada em 2013 por Joaquim Barbosa. Na minuta, Lewandowski contemplou todas as sugestões de integrantes do STF e de entidades da magistratura, mesmo as propostas com as quais não concordava.

Um dos itens mais polêmicos do texto impede que juízes sejam interrogados em processos disciplinares por alguém que não seja juiz. A medida esvaziaria o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que investiga desvios de condutas de juízes. Integram o conselho magistrados e também membros do Ministério Público e pessoas indicadas pelo Congresso. O texto prevê o interrogatório de juízes por magistrados de instância igual ou superior ao juiz investigado.

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Desde 1989, 16 presidentes do STF adiaram envio de projeto

Maior desafio é conciliar demandas da categoria e opinião pública

 

Desde 1989, foram 16 os presidentes da Corte que postergaram a decisão de enviar projeto para o Congresso modernizando a lei da magistratura. De Néri da Silveira a Ricardo Lewandowski, que conduziu a Corte até setembro passado. Os sucessivos adiamentos na conclusão da proposta de alteração da lei da magistratura ocorrem porque é complicado, para um presidente do STF, conciliar os anseios da categoria com a opinião pública.

Em junho de 1989, o ministro Sydney Sanches, hoje aposentado, alertava a Corte para a importância de se priorizar o envio de um Estatuto da Magistratura ao Congresso, cortando na carne vários privilégios da categoria. Em ofício, ele ressaltou o problema de tribunais pagarem salários e vantagens diferentes entre si, o que deixava magistrados descontentes e dava ainda mais munição para críticas da sociedade.

“Outra questão sumamente importante é a relativa às decisões administrativas dos tribunais, mesmo em matéria de vencimentos, vantagens pecuniárias, contagem de tempo de serviço, com relação a seus membros e juízes que lhe são vinculados. É enorme a disparidade de tratamento que os tribunais, com interpretações mais rigorosas ou menos rigorosas, dão para essas questões, o que enseja a quebra de uma uniformidade desejável, um descontentamento generalizado entre os magistrados, e sérias repercussões na opinião pública, desgastando a imagem do Poder Judiciário e de seus membros, o que também não é bom para o povo, que precisa confiar em suas instituições”, anotou Sydney Sanches.

MINUTA COM MAIS PRIVILÉGIOS

Nos dois anos da gestão de Lewandowski, o STF discutia semanalmente, em sessões administrativas, uma minuta elaborada por uma comissão de ministros que compilou sugestões de associações de classe e de integrantes da Corte. O então presidente resolveu começar pelas questões menos controversas. As propostas mais polêmicas foram deixadas para o futuro e não chegaram a ser discutidas. De acordo com o cenário atual, não serão debatidas tão cedo.

A nova Loman vai tratar também dos benefícios concedidos a magistrados. As férias de 60 dias e o auxílio-moradia já estão previstos na lei atual e devem permanecer na nova legislação. A minuta discutida no STF prevê novos privilégios: auxílio-transporte quando não existir veículo oficial à disposição do juiz; adicional de deslocamento; ajuda de custo para mudança; indenização para transporte de bagagem; auxílio-alimentação; ajuda de custo para despesas com moradia em valor igual a 20% do salário; auxílio-creche; auxílio-educação; auxílio-plano de saúde; e auxílio-funeral.