Título: A matemática da reforma
Autor: Coimbra, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 06/11/2011, Política, p. 5

Se entendermos que nosso sistema eleitoral, com seus quase 70 anos, pode ser melhorado sem ter de ser reinventado, cuidemos de identificar onde intervir e busquemos os remédios mais simples

Sociólogo e Presidente do Instituto Vox Populi

A apreciação do anteprojeto de reforma política preparado pelo deputado Henrique Fontana (PT-RS) foi adiada para a semana que vem. Se nada de novo acontecer, ela deverá ocorrer na terça-feira, quase um mês depois da data inicialmente estipulada.

Não há problema no fato de a Câmara estar levando mais tempo que o previsto na discussão da matéria. Se há uma coisa de que ela não precisa é pressa. Ao contrário.

Embora enfrente resistências, a proposta de financiamento público exclusivo continua andando, seja na Câmara, seja no Senado. É possível que sofra modificações, mas conta com o apoio dos partidos da base, além do endosso de lideranças como Lula e a simpatia de entidades como a CNBB, a OAB e a ABI.

O que está emperrando a tramitação do anteprojeto é outro ponto, igualmente polêmico e relevante: a mudança do sistema eleitoral.

Na primeira versão, o eleitor votaria duas vezes para deputado federal, estadual (ou distrital) e vereador, uma na lista preordenada da legenda (ou coligação) de sua preferência, outra no nome de algum candidato. Em cada partido (ou coligação), o número de parlamentares a eleger seria calculado dividindo-se a soma pelo quociente eleitoral. Metade das vagas seria preenchida de acordo com a lista partidária, metade segundo o montante de votos nominais.

A intenção, parece óbvio, seria aproveitar as vantagens dos dois tipos principais de voto proporcional, de "lista aberta" (no qual se vota em candidatos) e de "lista fechada" (onde o voto é dado nos partidos). É um modelo que existe em alguns países, mas foi recebido com desconfiança pelo sistema político. Entre outras objeções, argumentou-se que tornaria ainda mais complicado o ato de votar, ao obrigar o eleitor a dar até oito votos nas eleições gerais (presidente, governador, dois senadores, dois votos para deputado federal, dois para deputado estadual ou distrital).

A ideia foi abandonada e uma nova proposta elaborada. Segundo essa, adotaríamos a chamada "fórmula d"Hondt" — de "maiores médias", que divide o voto total de cada partido pelos divisores 1, 2, 3 e aloca cadeiras de acordo com o quociente alcançado —, mas preservaríamos a eleição de parte dos candidatos de forma nominal e parte de acordo com o voto de legenda. Ainda será discutida na comissão.

Existem, mundo afora, dezenas de sistemas eleitorais, o que é prova de que nenhum é perfeito. Se houvesse um, todos os países já o teriam.

O que vamos fazer com o nosso depende de algumas decisões mais profundas. Depende do que queremos de nossa democracia.

Se quisermos o bipartidarismo, com predomínio do candidato sobre o partido e com o voto motivado, fundamentalmente, pela localidade (e não pela ideologia ou qualquer outra dimensão), fiquemos com o voto distrital "puro". Se acharmos que não precisamos de partidos e preferirmos câmaras preenchidas por "campeões de voto", vamos para os "distritões".

Se acreditarmos que a democracia exige os partidos, mantenhamos o voto proporcional. Há vantagens e desvantagens de tê-lo com lista aberta ou fechada.

Se desejarmos partidos fortalecidos, adotemos o voto em lista fechada, cuidando, na legislação partidária, de reduzir o risco do mandonismo interno. Se considerarmos necessário que a representação política reflita clivagens relevantes na sociedade, temos que ir além, adotando listas fechadas com cotas (fixando cotas de gênero ou outras).

Se formos de opinião que existe um número pequeno de partidos, podemos modificar a legislação, permitindo que os partidos que não alcançaram o quociente eleitoral participem do "reparte das sobras" — as cadeiras que restam depois da aplicação do quociente partidário (se um partido tem direito a 4,99 cadeiras, ganha quatro e as 0,99 são consideradas "sobras"). É isso que propõe o anteprojeto de Henrique Fontana e que tramita no Senado.

Se entendermos que nosso sistema eleitoral, com seus quase 70 anos, pode ser melhorado sem ter de ser reinventado, cuidemos de identificar onde intervir e busquemos os remédios mais simples. Talvez não precisemos ser matemáticos para compreender o que fazer.