O globo, n. 30422, 21/11/2016. País, p. 4

Comissão corre para avaliar Geddel

 

Catarina Alencastro
Júnia Gama
 
A Comissão de Ética Pública da Presidência deve decidir a situação do ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima (PMDB), até o mês que vem, antes do início do recesso parlamentar. Neste período, o ministro ficará sob ataque da oposição no Congresso, que já pediu sua demissão e defende uma acareação entre ele e o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, que acusou o antigo colega de pressioná-lo pela liberação de um empreendimento imobiliário em Salvador, onde Geddel comprou uma unidade.

Hoje, o colegiado se reúne para decidir se a denúncia feita por Calero contra Geddel deve ser investigada. Em caso positivo, abre-se um processo no qual os dois serão ouvidos e provas serão coletadas. Sem querer entrar no mérito da suposta pressão que Geddel fez sobre Calero em torno da liberação de uma licença para o empreendimento baiano La Vue, o presidente da Comissão, Mauro Menezes, disse que casos polêmicos costumam ser resolvidos rapidamente. Ao fim do processo, Geddel pode receber uma advertência ou ter sua demissão recomendada.

— Casos rumorosos merecem decisões mais rápidas, sempre assegurando ampla defesa e a coleta das provas necessárias — afirmou Menezes ontem ao GLOBO.

O presidente do colegiado resolveu, no último sábado, mesmo dia em que foi divulgada a acusação de Calero, levar o caso à comissão. São sete os conselheiros. Caso decidam apurar a conduta de Geddel, ele será notificado e terá dez dias para apresentar sua defesa. A expectativa é que na próxima reunião mensal da comissão, marcada para 14 de dezembro, já se tenha um desfecho do caso. Formada por integrantes da área jurídica indicados para um mandato de três anos pelo presidente da República, a comissão avalia ações dos funcionários públicos frente ao Código de Conduta da Alta Administração Federal e à lei federal que dispõe sobre o conflito de interesses no exercício do cargo público.

— Uma das principais atribuições da comissão é discernir o que é privado e o que é público. A Comissão também tem um papel pedagógico de fomentar boas práticas — disse Menezes.

Sob a expectativa de uma decisão da Comissão de Ética Pública e diante dos ataques por parte da oposição no Congresso, os principais aliados do presidente Michel Temer mantiveram cautela ontem sobre a situação do ministro. A ordem é aguardar para ver os desdobramentos do caso e os efeitos que isso pode trazer para o governo. Havia previsão de que Temer conversasse com auxiliares sobre o tema no final do dia, após seu retorno de São Paulo a Brasília. Geddel voltou a falar com o presidente, mas, segundo disse, não tocaram novamente no assunto.

— O desgaste é claro. Se o presidente mantiver Geddel no cargo, corre o risco de o assunto se arrastar e ter novos desdobramentos. Se resolver demiti-lo, é mais um ministro que cai, o que nunca é bom para o governo — avaliou ontem um assessor do presidente.

Na base aliada, o clima também era de cuidado. Procurados, os líderes dos partidos preferiram não se manifestar. O líder do PSDB no Senado, Paulo Bauer (SC), foi um dos poucos a comentar o tema. Mas evitou qualquer juízo sobre a situação de Geddel. Disse que, como Temer aceitou o pedido de demissão de Calero do Ministério da Cultura, e manteve Geddel no cargo, sua decisão parece ter sido tomada.

— Não cabe ao Congresso discutir isso. É uma questão do Executivo. O presidente aceitou a demissão do Marcelo Calero e as explicações do ministro Geddel. Então, pelo visto, a decisão já foi tomada — afirmou Bauer.

No sábado, após as acusações de Calero, Geddel admitiu as conversas sobre o assunto, mas tentou minimizar sua atuação. Disse ter pedido ao então ministro da Cultura que aguardasse uma decisão judicial antes que o Iphan nacional deliberasse sobre a liberação do imóvel. Geddel afirmou não ver conflito de interesses no fato de ter acionado um colega de governo para tratar de um tema de interesse pessoal.

— Qual é a irregularidade que tem? Levar uma ponderação a um colega ministro não tem nada demais. Eu disse: “Calero, esse tema está judicializado, não é melhor aguardar?” Não é uma questão pessoal minha. Não tenho o que esconder. Esse assunto foi licenciado pelos órgãos do município em 2014. Em 2015, começaram as obras — disse Geddel.

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Ministro já tinha atuado na liberação de outro prédio

 

O ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima (PMDB), já havia atuado em favor de outros empreendimentos da construtora Cosbat, antes de interpelar o ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, para a liberação, junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), da construção do prédio La Vue, em Salvador.

Como revelado em reportagem do GLOBO, em janeiro deste ano, a Operação Lava-Jato havia interceptado conversa de Geddel com Leo Pinheiro, então presidente da OAS, sobre liberação de licenças para construção do prédio Costa España, localizado na Avenida Oceânica, de frente para o mar, em região nobre de Salvador.

“Não esqueça daquela oportunidade para concluirmos aquela conversa sobre o Costa Espanha. Estou precisando definir o tema”, escreveu ele a Pinheiro. Posteriormente, o ex-executivo da OAS afirmou a um interlocutor: “Nosso amigo GVL (Geddel Vieira Lima) pede para vc ligar para Luis. Teve com o baixinho (ACM Neto) e está liberado o Costa Espanha.”

 

IAB APOIA PRESIDENTE DO IPHAN

Tanto a OAS quanto a Cosbat anunciam o Costa España em suas páginas na internet. Segundo a Cosbat, o empreendimento já está pronto. De acordo com a página da OAS na internet, o condomínio de alto padrão, com imóveis de 1, 2 ou 3 quartos, está “emoldurado por uma paisagem onde o mar, a praia e o sol ajudam a formar o novo cartão-postal de Salvador”.

Na ocasião da publicação da reportagem, em janeiro, Geddel havia reconhecido ao GLOBO ter conversado com o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM) sobre o empreendimento. Geddel disse ter considerado adquirir um apartamento no Costa España, mas que apenas um irmão seu comprara um imóvel no local.

O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) divulgou nota ontem na qual apoia a presidente do Iphan, Kátia Bogéa, no caso Geddel. “A prática de influências na administração pública para proveito pessoal, com promiscuidade entre o interesse público e o interesse privado, em especial, no caso, em serviços de regulação e aprovação de obras com interferência sobre o Patrimônio Cultural e Arquitetônico nacional, torna ainda mais imperiosa a defesa da nomeação de técnicos experientes e qualificados para a direção do Iphan e de suas superintendências, como reiteradamente o IAB tem pleiteado”.