De Campos para Bangu

Juliana Castro, Marco Grillo e Ruben Berta

17/11/2016

 

 

-RIO E CAMPOS- Mais de dez anos após a primeira decisão da Justiça Eleitoral que tornou Anthony Garotinho inelegível, o Cheque Cidadão, mesmo programa assistencialista que foi uma de suas principais marcas e de sua mulher Rosinha, foi responsável ontem pela prisão do ex-governador, enquanto ele estava num apartamento no Flamengo, na Zona Sul do Rio. Em sua decisão, o juiz Glaucenir Silva de Oliveira, da 100ª Zona Eleitoral, afirma que há provas que demonstram que Garotinho “efetivamente não só está envolvido, mas comanda com 'mão de ferro' um verdadeiro esquema de corrupção eleitoral” em Campos, no Norte Fluminense, que se destinava a comprar votos por meio do Cheque Cidadão. A cidade é governada por Rosinha, e Garotinho é o secretário municipal de Governo.

As investigações do Ministério Público e da Polícia Federal, que culminaram na prisão preventiva de Garotinho, apelidadas de Operação Chequinho, se basearam em dois pilares: a compra de votos, através da distribuição indiscriminada do benefício por vereadores aliados, e a coação de testemunhas que se disponibilizaram a denunciar o esquema. O ex-governador foi levado no fim da manhã de ontem para a Superintendência da Polícia Federal, na Praça Mauá. No início da noite, após passar mal, foi socorrido por uma ambulância e levado ao Hospital Souza Aguiar. Assim que tiver alta, irá para o Complexo Penitenciário de Bangu.

 

COAÇÃO DE TESTEMUNHAS

Na denúncia oferecida à Justiça Eleitoral, o MP afirma que o ex-governador “coagiu e constrangeu mediante grave ameaça” duas testemunhas “com o fim de satisfazer interesses em investigação policial”. A defesa de Garotinho entrou com habeas corpus no Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE-RJ) para soltá-lo.

O mandado de prisão expedido pela Justiça Eleitoral de Campos foi assinado pelo juiz Glaucenir Oliveira em 11 de novembro, mas só cumprida ontem. Segundo as investigações, uma das testemunhas coagidas é Alessandra da Silva Alves, chefe de um posto de saúde, responsável por intermediar, com autorização do vereador Ozéias Martins (PSDB), a concessão de Cheques Cidadão a 20 pessoas. Após prestar depoimento à PF no dia 27 de outubro, Alessandra teria sido obrigada a gravar um áudio no WhatsApp, a mando de Garotinho, desqualificando seu relato anterior, sob a ameaça de perder o cargo comissionado que ocupa. O áudio foi posteriormente divulgado em um programa da rádio “O Diário”, que é ligado ao ex-governador.

O magistrado ainda levantou suspeitas em relacou ção a uma segunda testemunha: Verônica Ramos Daniel. O juiz diz que, apesar de ser faxineira e se declarar semianalfabeta, ela juntou aos autos uma escritura, feita em um cartório do município do Rio, em que desfaz o teor de um depoimento prestado anteriormente. Para isso, ela viajou para a capital, ficou hospedada em hotéis e fez o documento, o que “requer o dispêndio de vultuosas quantias, considerando sua situação de penúria”.

Delegado da PF responsável pelo caso, Paulo Cassiano afirmou que Garotinho disseminava um “clima de terror":

— Ele atrapalhava as investigações com coação a testemunhas, destruição de provas e tentativa de intimidação das pessoas na cidade de maneira geral, mediante a disseminação de um clima de terror.

O advogado de Garotinho, Fernando Fernandes, negou que seu cliente tenha coagido testemunhas e disse que foram as duas que procuraram o ex-governador. Fernandes afirmou ainda que Garotinho não era candidato no município na eleição deste ano.

A denúncia do MP apontou ainda que Garotinho, “em conluio com seus comparsas”, praticrime tipificado no Código Eleitoral, “comprando votos dos eleitores, sobretudo de baixa renda, tendo inclusive logrado êxito diante da eleição de 11 vereadores a ele ligados politicamente”. Seu candidato a prefeito, porém, Dr. Chicão (PR), foi derrotado no primeiro turno.

Ontem, o blog do ex-governador publicou uma postagem na qual afirma que sua prisão foi uma “tentativa de desviar a atenção do povo”, diante de denúncias que ele teria encaminhado à Procuradoria Geral da República envolvendo políticos e empresários.

Um fato curioso é que trechos da decisão da juíza eleitoral de primeira instância, de maio de 2005, tornando Garotinho e Rosinha inelegíveis possivelmente se encaixariam nos dias de hoje. À época, com Rosinha como governadora, o casal foi acusado de usar o Cheque Cidadão para beneficiar o candidato da família à prefeitura de Campos, Geraldo Pudim, derrotado em segundo turno.

“A explosão de benefícios, independentemente de qualquer critério técnico, possui potencial lesivo às eleições”“, disse a magistrada.

 

 

O globo, n. 30417, 16/11/2016. País, p. 03.