PF: esquema inflava cadastro social

Marco Grillo e Ruben Berta

17/11/2016

 

 

Segundo investigação, 70% de novos beneficiários do Cheque Cidadão não tinham direito a pagamento

 

-RIO E CAMPOS - A Polícia Federal identificou que o esquema destinado a inflar o cadastro do Cheque Cidadão, com beneficiários indicados por vereadores e sem passar pelas análises técnicas estipuladas para o programa, contemplava moradores de Campos, no Norte Fluminense, que sequer obedeciam aos critérios de renda necessários para integrarem o cadastro.

Segundo o delegado Paulo Cassiano, responsável pela investigação, apenas 5.400 beneficiários teriam direito ao pagamento, num universo de 18 mil cadastrados a mando do secretário municipal de Governo, Anthony Garotinho, com o intuito de angariar votos para aliados. O percentual de novos cadastrados que, após as análises técnicas sequer poderiam receber o benefício, é de 70%.

Em gravação telefônica autorizada pela Justiça, entre Garotinho e o atual secretário municipal de Desenvolvimento Humano e Social, Henrique Oliveira, o ex-governador é avisado pelo aliado que apenas cerca de 5 mil beneficiários estavam enquadrados dentro do perfil do programa. Garotinho, segundo o delegado, respondeu que as pessoas haviam “assinado uma declaração de hipossuficiência” e que, se declararam que eram “pobres”, a “responsabilidade era delas”.

— Segundo eles, se houve a assinatura dessa declaração, então a prefeitura não tem culpa de nada — afirmou o delegado.

Ainda segundo a PF, a prefeitura continuou pagando os cerca de 30 mil benefícios (12 mil que já existiam e os 18 mil incorporados irregularmente este ano), mesmo após deflagração da Operação Chequinho, que prendeu integrantes do esquema, incluindo a então secretária municipal de Desenvolvimento Social.

— A investigação existe há dois meses e isso não foi suficiente para a prefeitura impedir o pagamento do benefício. Qual foi o resultado da avaliação administrativa da comissão formada pela prefeitura para apurar os fatos? Nos primeiros 30 dias de apuração, a comissão não produziu uma prova, não pediu uma perícia, não apreendeu um documento e não ouviu uma pessoa. Isso revela a inaptidão e o desinteressa da prefeitura em apurar uma fraude gravíssima — disse Cassiano.

Em setembro, o Ministério Público Eleitoral já havia identificado uma espécie de “lista clandestina” de beneficiários do Cheque Cidadão. A informação consta de uma decisão do juiz Eron Simas dos Santos, do dia 21 daquele mês, que proibiu o pagamento de pessoas incluídas no programa social de 1º de junho até o final das eleições para a prefeitura de Campos.

Segundo o relato do juiz, ao cumprir mandados de busca e apreensão, o MP Eleitoral detectou que, na lista oficial da prefeitura de Campos, o número de beneficiários do programa passou de 11.542, em março, para 12.954 em agosto, com a aproximação da campanha municipal. Somente de junho para julho, 712 pessoas foram incluídas no cadastro oficial. O que mais chamou a atenção, porém, foi um outro cadastro, encontrado com a empresa Valecard, responsável pela execução do programa.

“Essa nominata clandestina seria composta, em 25 de agosto, de cerca de 30.469 beneficiários, o que representa um ‘gap’ de mais de 17 mil cadastrados, tendo em conta o número constante na listagem, em tese, oficial”, disse o juiz. 

 

 

O globo, n. 30418, 17/11/2016. País, p. 04.