O globo, n. 30423, 22/11/2016. País, p. 8

Delcídio: Lula afirmar que não sabia ‘é surreal’

Ex-senador afirma a Sérgio Moro que corrupção na Petrobras era conhecida por toda a classe política
 
Por: Tiago Dantas, Dimitrius Dantas, João Carlos Silva e Sérgio Roxo
 

SÃO PAULO- O ex-senador Delcídio Amaral disse ontem, em depoimento à Justiça Federal, achar “surreal” o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmar que não sabia de um esquema de pagamento de propina montado nas diretorias da Petrobras para sustentar partidos políticos.

Ex-líder do governo Dilma e agora delator da Lava-Jato, Delcídio foi ouvido como testemunha de acusação no processo em que Lula é acusado de receber um tríplex em Guarujá, em São Paulo, da construtora OAS. O ex-presidente alega que nunca teve a posse desse apartamento.

— Queria só registrar. Ele vai dizer assim: “Eu não sei”. A classe política e a torcida do Flamengo inteira sabiam disso aí (corrupção na Petrobras). Toda a classe política sabia. É uma coisa até surreal esse tipo de afirmação — disse Delcídio.

Apesar disso, o ex-senador disse que nunca conversou diretamente com Lula sobre o esquema de pagamento de propinas na estatal e que não teria como apresentar provas de suas afirmações. O delator disse que, após o escândalo do mensalão, o governo buscou ampliar sua base no Congresso e aceitou a entrada de partidos como PP e PMDB entre seus aliados. Esses partidos passaram, então, a indicar nomes para cargos importantes.

Para o ex-senador, Lula escapou de ser responsabilizado do mensalão por causa desse acordo político:

— O presidente Lula, no mensalão, usou a tese do não sabia e só escapou por causa de um acordo político que votou o relatório da CPI. Mas agora é muito difícil que prevaleça a desculpa do “não sei".

Também ouvidos ontem, o ex-executivo da Setal Augusto Mendonça e o ex-presidente da Camargo Corrêa Dalton Avancini falaram sobre o esquema na Petrobras. Nenhum dos dois, no entanto, envolveu Lula em seus depoimentos.

 

DEFESA DISCUTE COM MORO

Os depoimentos de ontem foram marcados por discussões entre os advogados de Lula e o juiz Sérgio Moro. Os defensores reclamaram que as perguntas não tinham relação com a denúncia, e o juiz disse que os advogados tentavam tumultuar a audiência.

Delcídio foi questionado se, em troca das indicações, os diretores da Petrobras tinham que arrecadar propina para os partidos que os sustentavam. Ele confirmou:

— Sem dúvida nenhuma. Existia uma estratégia montada para bancar as estruturas partidárias. Isso é inegável. 

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O calote de Collor

Banco quer retomar Lamborghini do senador por falta de pagamento das prestações, de R$ 39 mil cada; carro foi apreendido pela Lava-Jato e depois devolvido para que seja conservado

Por: MANOEL VENTURA*


 

O banco Bradesco pediu autorização do ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), para retomar a Lamborghini financiada pelo senador Fernando Collor de Mello (PTC-AL). O veículo foi apreendido na casa do senador em uma das fases da operação, e depois devolvido ao parlamentar. Está no nome da empresa Água Branca Participações, da qual Collor é sócio.

A instituição financeira alega que Collor não pagou prestações num financiamento que fez para poder quitar o carro. No pedido enviado ao Supremo, o Bradesco Financiamentos afirma que, em 2014, concedeu à Água Branca Participações um financiamento no valor líquido de R$ 1,6 milhão, que deveria ser pago em 60 parcelas mensais de R$ 39,3 mil.

A Lamborghini custou R$ 3,2 milhões. A outra metade foi paga à vista.

Contudo, a empresa de Collor está inadimplente desde a prestação vencida em 30 de junho deste ano. O Bradesco conseguiu na Justiça de São Paulo, em outubro, autorização para apreender o bem e vendê-lo, para quitar a dívida. De acordo com o Bradesco, o débito é de R$ 1,2 milhão.

A lei permite a apreensão do veículo em outra cidade, como lembra o Bradesco no pedido, e o bem está em poder do senador Fernando Collor de Mello, sócio da empresa devedora da instituição financeira.

Por isso, o banco informou a Teori sobre a situação da Lamborghini e pediu autorização do Supremo para buscar o veículo em Brasília.

 

CINCO CARROS APREENDIDOS

A Lamborghini modelo Aventador, ano 2013/2014, foi um dos carros de luxo apreendidos na Casa da Dinda, residência de Collor em Brasília, no ano passado, durante uma das fases da Lava-Jato.

Também foram apreendidos, na época, um Bentley, um Range Rover, uma Ferrari e um Porsche, sob suspeita que os veículos foram adquiridos com dinheiro de propina resultante do esquema de desvio da Petrobras.

No início deste ano, o STF negou um pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para vender os cinco carros. Depois da operação, Teori Zavascki devolveu os veículos ao senador para eles que fossem conservados. O ministro autorizou que o próprio parlamentar fosse o fiel depositário dos carros de luxo, impedindo, no entanto, de Collor vender os carros, objetos de investigação.

A transferência da posse dos carros para o poder público só poderia ocorrer ao final do processo, se comprovado definitivamente que o bem foi adquirido com dinheiro desviado. (*Estagiário, sob supervisão de Francisco Leali)

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Medida provisória vai transferir reforma agrária para a Casa Civil

Critérios de seleção das famílias a serem assentadas serão modificados

Por: CATARINA ALENCASTRO

 

-BRASÍLIA- O governo editará nos próximos dias medida provisória transferindo o programa de reforma agrária para a alçada da Casa Civil da Presidência. Com isso, o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, comandado pelo ministro Osmar Terra, do PMDB, passará a se chamar Ministério do Desenvolvimento Social. A partir da publicação da MP, Casa Civil e Incra acompanharão as ações federais de regularização fundiária.

A MP também altera os critérios de seleção das famílias que serão beneficiárias com títulos de terra em assentamentos. Terão preferência agricultores vítimas de trabalho em condição análoga à de escravo; trabalhadores rurais que perderam áreas devido à demarcação de terras indígenas e áreas quilombolas; e trabalhadores em situação de vulnerabilidade social. A seleção será feita por meio de editais convocados pelos municípios.

Outra mudança é a criação de uma lista de espera para aqueles que não foram contemplados na primeira etapa. Nesta segunda chance, serão contempladas em primeiro lugar as famílias mais numerosas, cujos membros se comprometam a exercer a atividade agrícola na área assentada; em segundo lugar, as famílias que morem há mais tempo na cidade onde se localiza o projeto de assentamento; e, em terceiro lugar, as chefiadas por mulheres.

Em seguida, terão preferência integrantes de acampamentos no município onde se localiza o projeto de assentamento; filhos de pais assentados entre 18 e 29 anos: e famílias que residam em projetos de assentamentos na condição de agregados. Quem tiver renda familiar superior a três salários-mínimos mensais não poderá ser beneficiário.

A MP prevê a regularização de ocupações de lotes feitas sem autorização do Incra em projetos de assentamento criados há pelo menos dois anos. Pelo texto, que poderá ser modificado, o Incra poderá doar, sem licitação, áreas de sua propriedade e remanescentes de projetos de assentamento para obras a serem tocadas por estados, Distrito Federal, municípios e entidades da administração pública indireta.

Há novos prazos para a regularização de áreas onde houve desmembramentos. A lei vigente estabelecia como referência o fim de 2013 o prazo para que essas áreas possam ter direito à regularização. O novo texto estende a legalização até o fim de 2014. Na Amazônia, mantém-se a regra de que só poderão ser legalizados lotes que tenham até quatro módulos fiscais e, no máximo, 1.500 hectares. Mas o novo texto deixa claro que ocupações que incidam sobre áreas em que demanda judicial por parte da União ou entes da administração indireta não poderão ser legalizadas até que as pendências tenham transitado em julgado.

Para o professor da UnB, Sérgio Sauer, o texto ainda dá uma nova previsão: que após o prazo de dez anos, os assentados possam negociar os títulos da terra. Na lei atual, a redação diz que os títulos de domínios “serão inegociáveis pelo prazo de 10 (dez) anos”. Já a nova redação, se não for modificada até a data da publicação, acrescenta que pode haver negociação depois de dez anos, contatos “da celebração do contrato de concessão de uso ou de outro instrumento equivalente”.

— (A nova redação) estabelece um prazo (que antes não tinha) para contar os 10 anos. Este prazo é “celebração de outro instrumento equivalente”, ou seja, qualquer assentamento com mais de 10 anos, os títulos concedidos já poderão ser negociados — diz Sauer, autor de artigo criticando pontos que devem ser alterados com a MP.

No artigo, Sauer também critica o poder repassado aos municípios. Além da responsabilidade de publicar os editais de seleção, os municípios também são prestigiados nos critérios de seleções das famílias beneficiadas com o título da terra. A Confederação Nacional das Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares (Contag) informou que não participou das discussões da MP.

 

O QUE MUDA

NOVAS ATRIBUIÇÕES: A partir da publicação da nova medida provisória, caberá à Casa Civil e ao Incra a responsabilidade sobre a reforma agrária

NOVOS CRITÉRIOS: O texto dará preferência para o assentamento de vítimas de trabalho escravo; trabalhadores que perderam áreas devido à demarcação de terras indígenas e quilombolas; e trabalhadores rurais em situação de vulnerabilidade social

MODELO DE SELEÇÃO: A seleção das famílias que receberão os títulos de terra passa a ser feita por meio de editais, que ficarão a cargo dos municípios

REGULARIZAÇÃO: Ocupações de lotes feitas sem autorização do Incra, em assentamento criados há pelo menos dois anos, serão regularizadas