A opção dos grupos que se opõem ao irrecorrível ajuste das contas públicas (matéria amplamente discutida e em tramitação no Congresso), à luz de dogmas em lugar de argumentos sólidos, os faz levar o debate deliberadamente para o terreno do sofisma. Isto porque partem, certamente por má-fé, de um pressuposto equivocado — o de que a PEC 241 (agora, no Senado, renumerada para PEC 55), já aprovada em duas rodadas de votação na Câmara, reduzirá os investimentos públicos na saúde. Falso.
O ajuste proposto pelo governo não congelará os repasses para o setor. Apenas muda-se o critério de cálculo das verbas a ele destinadas, passando-se a reajustá-las pela variação da inflação passada. É uma opção orçamentária correta para um país que, submetido a seguidos anos de degradação das contas, promovida pelo lulopetismo, precisa encontrar um ponto de apoio a partir do qual seja possível estancar a gastança. Uma simples, mas eficiente questão de gerenciamento.
Segundo, porque a proposta submetida aos parlamentares não é rígida a ponto de não permitir que verbas de uma rubrica sejam transferidas para outras áreas, face a necessidades administrativas. O que se veta — e esse é o espírito inegociável, por imperioso, de toda a PEC dos gastos públicos — é o estouro do teto estabelecido, uma salvaguarda legal para que o governo tenha condições de efetivamente gerenciar o orçamento. É condição essencial para o país reordenar as despesas e voltar a crescer.
Ademais, num primeiro momento, o naco orçamentário destinado à Saúde até crescerá ano que vem. Somente a partir de 2018, decorrido esse primeiro período de ajuste das contas, a variação do quinhão para o setor obedecerá ao critério do reajuste pela inflação passada. Esse modelo assegura que as novas regras, uma vez aprovadas democraticamente pelo Congresso, não reduzirão necessariamente os investimentos oficiais na saúde pública. Na verdade, o que se vai expor é a realidade de um país que gasta muito, mas mal, numa área crítica, com padrões de gestão e eficiência incoerentes na prestação de serviços que, remunerados pelos impostos, deveriam retornar à sociedade com níveis de excelência à altura do que se gasta com eles.
A questão da racionalização das verbas destinadas à Saúde passa pela discussão, mais ampla, do rombo orçamentário legado pelas administrações lulopetistas, uma demanda que está na base das medidas que o governo Temer tem de adotar para recolocar o país no rumo do crescimento. Seu instrumento, a PEC do teto, é demonizado por grupos organizados, usufrutuários de verbas públicas, corporações com interesses cevados no período de gastança que trouxe o país à beira da insolvência.
Tais grupos se opõem a quaisquer sistemas de avaliação de qualidade das despesas públicas e se opõem a que governos revejam prioridades. (...)
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Liquidação do SUS
Está nas mãos do Senado a decisão dos limites dos gastos públicos nos próximos 20 anos. Após a aprovação na Câmara, caberá aos senadores avaliar e aprovar (ou não) a PEC 55. Segundo o texto, nas próximas duas décadas os gastos federais apenas podem ser corrigidos pela inflação anual medida pelo IPCA.
Na prática, essas medidas poderiam ser efetivas em países que apresentem uma gestão de recursos públicos bem estruturada e responsável. Os entes públicos apresentam dificuldade de cumprir o pacto feito entre os gestores da União, dos estados e municípios para que os gastos sejam racionais. A judicialização crescente tem sobrecarregado especialmente os municípios, sendo consumidos recursos que poderiam ser aplicados de forma coletiva.
O fato é o de que a cultura brasileira de gestão de recursos públicos, principalmente na Saúde, é de gastar mal e gastar demais.
Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indica que o SUS perderá até R$ 743 bilhões, caso a PEC seja aprovada. O Ipea também revela que o gasto com saúde no Brasil é de quatro a sete vezes menor do que o de países que têm sistema universal de saúde, como Reino Unido e França, e inferior ao de países da América do Sul nos quais o direito à saúde não é universal (Argentina e Chile). Enquanto no Brasil o gasto com saúde em 2013 foi de US$ 591 per capita, no Reino Unido foi de US$ 2.766 e na França, US$ 3.360. Na América do Sul, a Argentina gastou US$ 1.167 e o Chile, US$ 795. A proposta da PEC é reduzir ainda mais o que já é insuficiente.
Não há dúvida que congelar o gasto por 20 anos parte do pressuposto equivocado de que os recursos públicos para a Saúde já estão em níveis adequados para a garantia do acesso a bens e serviços do setor, e que a melhoria dos serviços se daria a partir de ganhos de eficiência na aplicação dos recursos existentes.
A PEC acarretará um sucateamento ainda maior da combalida e devastada saúde pública brasileira. Isso porque a correção dos recursos pela inflação levará à impossibilidade de novos investimentos.
Segundo o CFM, a escassez no sistema de saúde público é três vezes maior do que no privado. Se considerarmos haver 150 milhões de pessoas dependentes do SUS e apenas 50 milhões no sistema privado, será fácil concluir que inexistem profissionais para atender os pacientes, os quais, com a crise econômica, só tendem a aumentar com o abandono dos planos de saúde privados.
Para onde quer que se olhe, o cenário da Saúde brasileira está longe de mostrar ser possível manter um sistema único, universal e integral para todos os cidadãos. Qual será o posicionamento dos senadores?
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