Acabou o 'Oxigênio'
18/11/2016
Termo era usado para designar propina, segundo investigadores da Operação Calicute, que prendeu o ex-governador e mais nove acusados de desviar R$ 224 milhões em contratos com empreiteira
Governador do Rio por dois mandatos (2007-2014) e que chegou a ser cotado para disputar a Presidência, Sérgio Cabral (PMDB) foi preso ontem por ordem de dois juízes, Sérgio Moro (Curitiba) e Marcelo Bretas (Rio), sob a acusação de chefiar esquema de corrupção que “saqueou” o estado, hoje na penúria. A prisão aconteceu menos de 24 horas depois de outro ex-governador, Anthony Garotinho, ser detido por compra de votos. Alvo da Operação Calicute, referência à expedição fracassada de Pedro Álvares Cabral às Índias, Cabral é acusado de cobrar propinas milionárias de empreiteiras em troca de contratos de obras e isenções fiscais, com desvio de R$ 224 milhões dos cofres públicos. Segundo a Lava-Jato, o ex-governador recebia mesadas de empreiteiras de até R$ 500 mil, usadas para pagar viagens, carros, lanchas, joias e vestidos de festas. Outras nove pessoas foram presas, entre elas os ex-secretários Wilson Carlos (Governo) e Hudson Braga (Obras). No momento em que o Estado do Rio vive uma profunda penúria em suas contas públicas, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal do Rio, em parceria inédita com a Justiça de Curitiba, desvendaram um esquema criminoso no qual o ex-governador Sérgio Cabral é apontado como líder de um grupo responsável por desviar pelo menos R$ 224 milhões em contratos com empreiteiras. Elas eram obrigadas a pagar uma taxa de 5% sobre qualquer valor repassado pelo governo. Chamadas de “oxigênio” pelos envolvidos no esquema de corrupção, as propinas bancaram viagens e itens de luxo.
A Operação Calicute, fruto de cinco meses de investigações, teve dez pessoas presas, incluindo Cabral, 14 conduções coercitivas e 38 mandados de busca e apreensão. Assim, a população fluminense assistiu, em menos de 24 horas, a dois de seus ex-governantes irem para a cadeia: o primeiro foi Anthony Garotinho, acusado de coação e compra de votos.
A ex-primeira-dama Adriana Ancelmo, um dos alvos de mandados de condução coercitiva e busca e apreensão, é investigada por receber dinheiro em contratos milionários de seu escritório de advocacia com empresas vinculadas a Cabral. Entre as dez principais contratantes de seu escritório, sete receberam incentivos fiscais. Há ainda concessionárias de serviços públicos e empresas envolvidas no esquema de lavagem de dinheiro de Cabral e na Lava-Jato de Curitiba.
No apartamento de Adriana, os agentes recolheram joias da grife Van Cleef & Arpels, a mesma do anel que Cabral deu de aniversário à mulher — a peça, avaliada em R$ 800 mil, foi comprada pelo empresário Fernando Cavendish.
Para os investigadores, o ralo aberto por Cabral ajuda a explicar a insolvência financeira do estado. No despacho da prisão preventiva de Cabral, o juiz Sérgio Moro afirmou que “os investigados poderiam se valer de recursos ilícitos para facilitar fuga e refúgio no exterior.”
A saída de Cabral do prédio da PF para o presídio Bangu 8 foi festejada por manifestantes com lenços na cabeça em alusão ao jantar do ex-governador e alguns de seus secretários com Cavendish, em Paris, em 2009.
Segundo a Lava-Jato, o ex-secretário de Governo Wilson Carlos, também preso, era responsável por negociar com as empreiteiras e distribuir a propina. Os investigadores suspeitam que parte do dinheiro era distribuída a deputados estaduais, federais e outros agentes políticos que serão alvos da próxima etapa da apuração.
Já o ex-secretário Hudson Braga (Obras) teria usado empresas criadas em seu nome e no de parentes para receber dinheiro de contratos simulados de prestação de serviços.
Moro determinou bloqueio de até R$ 10 milhões das contas de Cabral, Adriana, Wilson Carlos e Carlos Miranda, apontado como um dos operadores do esquema. As defesas de Cabral, Adriana, Wilson Carlos e Hudson Braga não se manifestaram.
O globo, n. 30419, 18/11/2016. País, p. 03.