O globo, n. 30425, 24/11/2016. Economia, p. 27

Famílias avaliam impacto da liberação de remédios à base de maconha pela Anvisa

Deliberação facilita registro de medicamentos com THC e canabidiol

Por: Mariana Alvim

 

O anúncio feito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), na terça-feira, de que a atualização de uma portaria facilitará o registro de produtos com compostos derivados da maconha foi avaliado por representantes de pacientes que precisam de tais medicamentos como um avanço, mas a perspectiva de uma regulamentação do cultivo próprio para uso medicinal ou a oferta de fármacos acessíveis no país ainda são conquistas ambicionadas por estes grupos para os próximos anos.

 

A decisão da Diretoria Colegiada da agência, que ainda será publicada no Diário Oficial, atualiza a lista de plantas e substâncias sob controle especial no Brasil. Medicamentos registrados poderão ter até 30 mg de tetrahidrocannabinol (THC) e 30 mg de canabidiol por mililitro.

Na prática, a deliberação abre as portas para o registro do primeiro medicamento à base destas substâncias no Brasil, o Mevatyl — em outros países conhecido como Sativex. O composto, da inglesa GW Pharmaceuticals, está em fase final de registro na Anvisa e é usado sobretudo para tratamento da esclerose múltipla.

Para a advogada Margarete Santos de Brito, presidente da Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi) e membro da Associação Brasileira para Cannabis (Abracannabis), a decisão foi um passo para as pessoas que precisam destes medicamentos — mas um avanço tímido perto do que é necessário. Ela é mãe de Sofia, de 7 anos, que sofre com crises convulsivas que são controladas com um conjunto de tratamentos que envolvem extratos da planta, cultivada na casa da família no Rio.

— É um passo, mas ao mesmo tempo atrapalha nossa intenção de ter um produto nacional. Um tratamento hoje com o Sativex custa cerca de R$ 8 mil por mês para quem importa, e ele chegará ao Brasil a preço de ouro. O mundo ideal, para mim, seria a possibilidade de cooperativas produzirem remédios com as universidades e instituições como a Fiocruz, com disponibilização no SUS — ressalta Margarete, que obteve na semana passada um habeas corpus preventivo para proteger sua plantação caseira.

No último domingo, O GLOBO mostrou que pesquisas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) poderão levar ao desenvolvimento do primeiro fitomedicamento à base da maconha no país. Mas, por enquanto, as famílias precisam recorrer a métodos artesanais ou a pedidos de importação de medicamentos na Anvisa — segundo a agência, desde 2014, foram 1.947 solicitações de importação de produtos à base de derivados da maconha, sendo 1.802 autorizadas, em uma média de 4,96 dias.

 

“TEMOS QUE COMEMORAR”

Pai de Anny Fischer, primeira paciente a obter o direito de importar canabidiol na Justiça no Brasil, Norberto Fischer também vislumbra para os próximos anos a regulamentação do plantio para uso medicinal, mas comemorou a decisão da Anvisa.

— Temos que comemorar sim. Se não comemorarmos esse passo, não teremos o próximo. É preciso começar a produzir, desenvolver uma estrutura para estes medicamentos. E além disso, derrubar preconceitos — aponta Fischer, ressaltando que, nos primeiros anos, uma eventual produção nacional poderá ser mais cara do que medicamentos estrangeiros já consolidados.

O diretor-presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa, ressalta que a decisão da agência foi puramente técnica.

— Fazemos uma atualização constante das listas para controle de substâncias, e decidimos que, nos limites determinados, estes medicamentos serão controlados com a tarja preta e um processo especial de prescrição médica. Ela tem validade geral, se aplica para registros de produtos nacionais ou internacionais — aponta Barbosa.

A assessoria de imprensa do Ministério da Saúde informou que ainda não há a previsão para uma eventual incorporação de medicamentos com derivados da maconha no SUS, mas reconheceu que a decisão da Anvisa facilita este processo.