A república de Mangaratiba
Chico Otavio e Daniel Biasetto
18/11/2016
Proximidade entre público e privado no estado era simbolizada por reuniões em condomínio de luxo onde moravam Cabral, gestores e empresários
Wilson passa a bola para Sérgio, que a suspende para Benedicto cortar. Jogadores vestindo calção de banho, a maioria sem camisa, disputam mais uma partida de vôlei na quadra de grama da casa do anfitrião, em Mangaratiba. A tradicional ‘pelada’ promovida por Sérgio Cabral, então governador do Rio, simbolizou, no auge da gestão do PMDB no estado, a proximidade entre o público e o privado.
No mesmo time, Cabral trocava passes com o então secretário de Governo, Wilson Carlos, e com o então presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto da Silva Júnior, ambos seus vizinhos no condomínio Portobello Resort, às margens da BR-101.
Da posse de Cabral, em janeiro de 2007, até a passagem do cargo para Luiz Fernando Pezão, em abril de 2014, o Portobello foi ponto de encontro entre gestores públicos e empreiteiros com contratos de obras e de prestação de serviços ao estado. Alguns, como Benedicto Júnior e Fernando Cavendish, da Delta Construções, ergueram mansões no condomínio. Na medida em que a Lava-Jato aporta no Rio, a convivência entre Cabral e seus vizinhos entrou no foco das investigações.
Levantamento do GLOBO mostra que 11 pessoas, entre empresários, gestores públicos e políticos ligados ao governo Cabral, compraram ou alugaram casas no Portobello. Na época, a lista era composta por dois secretários estaduais, um municipal, seis empresários, um prefeito e um assessor parlamentar. Procurados, eles garantiram que, nos momentos de lazer, não misturavam os interesses públicos e privados.
Cabral tem casa no condomínio Portobello desde 1997. Inicialmente, o imóvel ficava em frente ao canal que desemboca no mar. Em 2011, ele se mudou para outra propriedade no final da ilha, como é chamada pelos condôminos a Praia de São Braz. Porém, só no dia 14 de outubro deste ano esta casa foi registrada em nome de sua mulher, Adriana Ancelmo, no cartório do 1º Ofício de Mangaratiba, conforme certidão obtida pelo GLOBO. Antes de averbá-la, Adriana teve o cuidado de retirar Cabral de seu sobrenome, inclusive na inscrição da OAB-RJ, alegando estar divorciada.
Além de Benedicto e Cavendish, foram vizinhos de Cabral Georges Sadala Rihan, o Gê, então dono do serviço Poupa Tempo; e Marco Antônio de Lucca, dono da Masan, fornecedora de alimentos para o governo estadual. Arthur Cesar de Menezes Soares Filho, um dos maiores prestadores de serviços do governo fluminense desde a gestão Garotinho, como dono da Facility, foi outro frequentador regular do condomínio.
Entre os gestores, Cabral dividia a quadra de vôlei e outros momentos de lazer em Mangaratiba com Wilson Carlos; com o médico Sérgio Côrtes, ex-secretário estadual de Saúde; e com Sérgio Dias, ex-secretário municipal de Urbanismo do Rio. Também foram proprietários no Portobello o ex-prefeito de Itaguaí Carlos Busatt e o empresário Carlos Eduardo Ribeiro, ex-assessor da Assembleia Legislativa.
Benedicto Júnior é um dos principais delatores da Odebrecht. Apesar de já conhecer Cabral quando desempenhava outras funções na empreiteira, ele entrou para o núcleo central das amizades do ex-governador por meio do amigo Sérgio Côrtes em 2007, logo após a posse de Cabral. No ano seguinte, a médica Verônica Vianna, mulher de Côrtes, tornou-se sócia da mulher de Benedicto, Ronimar Machado Mendes, na Blume Joias, em Ipanema.
Meses após entrar pela primeira vez na casa de Cabral, Benedicto comprou terreno no local e iniciou o projeto de construção de uma casa. O empresário Georges Sadala se somou ao grupo a partir da campanha de 2006, por meio de Wilson Carlos, e logo ganhou a amizade de Cabral.
Depois que Cabral entrou em declínio e os boatos de que era alvo de investigações começaram a crescer, todos praticamente desapareceram. Cavendish foi o primeiro a se afastar. Atingido por denúncias que o ligaram ao bicheiro Carlinhos Cachoeira, foi praticamente excluído do grupo e vendeu a casa. Wilson Carlos devolveu a sua, que diz ter sido alugada. Os demais deixaram de frequentar a casa de Cabral, principalmente as noites de pizzas e vinhos.
A COMPRA DA CASA
Segundo registro no cartório de Mangaratiba, a casa custou a Adriana Ancelmo R$ 2 milhões. O preço está abaixo do valor de mercado — corretores da região estimam em R$ 8 milhões um imóvel no condomínio com as mesmas características: dois pavimentos, átrio, sala, cozinha, dois lavabos, dispensa, mezanino, cinco suítes, dois banheiros, varanda, com área construída de 462 metros quadrados.
O ITBI, de R$ 95,4 mil, foi estipulado tendo a base de cálculo de R$ 4,5 milhões. A propriedade foi vendida pelo casal Carlos Eduardo Ribeiro e Rosa Ribeiro, empresários do ramo de postos de gasolina. Até 2011, o casal era lotado no gabinete da liderança do PMN, do deputado Alessandro Calazans, na Assembleia Legislativa.
A escritura de compra e venda informa que a casa foi comprada por Adriana Ancelmo da seguinte forma: R$ 200 mil de sinal; R$ 300 mil divididos em três prestações; e mais 30 parcelas mensais, iguais e sucessivas, representadas por notas promissórias, vencendo-se a primeira em 18 de janeiro de 2016. Isso significa que a casa só acabará de ser paga em julho de 2018.
O globo, n. 30419, 18/11/2016. País, p. 07.