O globo, n. 30425, 24/11/2016. País, p. 4

Comissão da Câmara aprova pacote de combate à corrupção

Deputados fazem acordo para aprovar, em plenário, anistia ao caixa 2

Por: ISABEL BRAGA EVANDRO ÉBOLI

 

-BRASÍLIA- A comissão especial da Câmara aprovou por unanimidade, ontem à noite, o texto-base do projeto com medidas de combate à corrupção. Foram aprovadas a criminalização do caixa dois, do enriquecimento ilícito, a punição de eleitor que venda seu voto, a criação da figura do “reportante” — que pode denunciar corrupção no local de trabalho —, ea medida que torna a corrupção crime hediondo, entre outras.

O receio dos integrantes da comissão é que o plenário da Câmara votasse, ainda na madrugada de hoje, uma anistia para qualquer crime associado a doações de campanha cometido até a aprovação da lei. A comissão especial ainda votará os destaques apresentados pelos partidos.

A possibilidade de anistia ao caixa dois passou a ser uma realidade ontem na Câmara. Deputados e líderes dos principais partidos da base aliada e de oposição, com exceção de PSOL e Rede, participaram de almoço na residência do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), para negociar a inclusão da anistia no texto. Deputados que participaram do encontro relataram que, além dos ajustes no texto para a votação na comissão especial, também foi discutida a apresentação de uma emenda para impedir a punição de qualquer crime vinculado a doações de campanha não declaradas até a data de edição da nova lei.

A emenda da anistia seria apresentada em plenário, desde que todos os partidos concordassem em assumir a autoria. O risco de se aprovar a mudança levou um grupo de 26 dos 58 deputados da bancada do PT a fazer nota criticando qualquer tentativa de incluir a anistia. No documento, os petistas afirmam que este é mais um movimento do que chamam de golpe parlamentar que tirou Dilma Rousseff do poder e tem por objetivo proteger deputados que votaram a favor do impeachment.

Os rumores chegaram na comissão e o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA) questionou se o presidente do colegiado, Joaquim Passarinho (PSD-PA), tinha conhecimento de articulação para aprovar o caixa dois.

— Só vemos isso no noticiário. Todo mundo falou que vai ter, mas ninguém viu. Não prospera — disse Passarinho.

O deputado Carlos Marun (PMDBMS) reagiu irritado e disse que o plenário tem autonomia e é soberano.

— Quem for contra isso que vote contra se for apresentado no plenário. Vamos deixar de hipocrisia. Todo mundo sabe que nenhuma lei pode ser criada para retroagir. Chega de mentira e vamos à verdade — disse Marun. Na comissão, Onyx Lorenzoni (DEMRS) apresentou outro texto, reduzindo de 12 para 10 as medidas. Ele excluiu pontos que tratam de nulidade de prova, prisão provisória e alteração na apresentação de recursos. Uma das medidas discutidas foi a que prevê a recompensa de até 20% para quem denunciar alguma ilegalidade que, após a apuração, resulte em devolução de pelo menos R$ 264 mil aos cofres públicos.

O relato precisa gerar o resultado, como essa reparação dos danos, e o “reportante” — quem faz a denúncia — precisa cumprir outros requisitos: tem que ser o primeiro a apresentar as suspeitas e não poderá divulgar as informações antes da conclusão da apuração. Essa “retribuição” será de 10% a 20%. A medida foi criticada.

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Para deputado, a culpa é do eleitor

Parlamentar alega que não é o candidato que corrompe na eleição

Por: EVANDRO ÉBOLI

 

BRASÍLIA - Autor da sugestão de que eleitor que vende voto deve ser punido com cadeia, o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) tem uma explicação para a ideia. Ele alega que político sofre muito na campanha. E que eleitores acabam agindo como corruptores durante a corrida eleitoral. A punição para o eleitor foi incluída pelo relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS) no texto das medidas de combate à corrupção.

Colatto afirmou que já perdeu duas eleições por ter se recusado a comprar voto. O deputado está no seu décimo mandato parlamentar.

— O eleitor que vende voto é muito mais responsável. É o corruptor. Hoje só se penaliza quem compra. Você não imagina o que um político sofre numa campanha. Não é a política que torna o político bandido, mas o voto é que torna. Tenho dez mandatos nas costas e perdi duas, virei suplente, por ter me recusado a comprar voto — disse Valdir Colatto, que tem uma atuação mais voltada a questões do agronegócio. Ele é da bancada ruralista.

E disse a razão de achar a pena de um a quatro anos insuficiente.

— Muito pequena. O cara não vai para a cadeia. O cara deveria ser preso mesmo. Vai pegar uma pena de ajudar comunidade.

O parlamentar afirmou que, com a aprovação de punição para quem vende voto, agora poderá rebater o eleitor que abordá-lo com essa intenção.

— Agora vou poder dizer a esse eleitor: ‘você está maluco! Vou ser penalizado se fizer isso, mas agora você também vai. Você quer ir para a cadeia?’.

O deputado entende haver uma contradição em se comprar voto e faz o seguinte raciocínio.

— Se eu sou candidato é porque quero trabalhar. É o meu emprego. Agora, se pago para comprar voto, ora, não preciso trabalhar então. Vou ter que pagar para trabalhar para você?!

 

“(O eleitor) é o corruptor. Hoje só se penaliza quem compra. Você não imagina o que um político sofre numa campanha”

Valdir Colatto

Deputado federal (PMDB-SC)

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Renan pode virar réu no Supremo em dezembro

STF marca data para julgar senador, após manobra para votar abuso de autoridade

Por: CAROLINA BRÍGIDO , SIMONE IGLESIAS

 

-BRASÍLIA- Na noite de terça, o plenário do Senado aprovou na surdina requerimento de urgência para votar a proposta que criminaliza abuso de autoridade, através de uma manobra do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL). Menos de 24 horas depois, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, marcou a data do julgamento da denúncia contra Renan por falsidade ideológica, uso de documento falso e peculato.

O julgamento, marcado para o dia 1º de dezembro, pode transformar Renan em réu pela primeira vez. A tendência majoritária no STF é de que a denúncia da Procuradoria-Geral da República seja aceita. O inquérito, aberto há nove anos e nunca julgado, está sob sigilo e apura se a empreiteira Mendes Junior pagou pensão alimentícia à jornalista Mônica Veloso, com quem o parlamentar tem uma filha.

 

VOTAÇÃO ÀS ESCURAS

Enquanto na Câmara patina a votação das medidas contra corrupção, Renan comandou na noite de terça-feira, no Senado, a votação do projeto de sua autoria que pune autoridades e pode emperrar a Lava-Jato. Em poucos minutos e sem citar a lei de abuso de autoridade, o plenário aprovou a urgência para votação da matéria. Em meio às discussões da PEC que limita o crescimento de gastos públicos, o peemedebista aproveitou a troca de oradores no microfone para aprovar a medida, dando apenas o número do projeto, sem especificar do que se tratava.

Nenhum senador se manifestou contrário. Pelo calendário instituído por Renan, a votação da lei do abuso de autoridade estava marcada para o dia 6 de dezembro. Com a votação da urgência, na prática, fica pronta para ser apreciada a qualquer momento.

— Situações que acontecem diariamente justificam a lei. Trata-se de uma chaga incompatível com o sistema democrático. Nenhum agente do estado está autorizado a usar suas atribuições legais para ofender, humilhar, agredir quem quer que seja. Não há poder sem limite — defendeu Renan, ao abrir os debates sobre o assunto, no plenário do Senado.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, era aguardado pelos senadores como um dos debatedores convidados. No entanto, não compareceu e, em seu lugar, participou da sessão Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, que é subprocuradora-geral da República. O ministro do STF, Gilmar Mendes, também foi convidado, mas adiou sua participação para a próxima reunião de debates, no dia 1º de dezembro — mesma data do julgamento de Renan no STF —, quando deverá comparecer o juiz Sérgio Moro.

 

OUTROS 12 INQUÉRITOS

Além do inquérito que irá a julgamento, Renan responde a outros 12 inquéritos no STF, sendo oito da Lava-Jato. No caso que será julgado no dia 1º de dezembro, Renan teria apresentado documentos falsos para comprovar que tinha condições de arcar com a pensão alimentícia. Mas as quebras de sigilo bancário mostraram o contrário. A pensão era de R$ 16,5 mil.

Em nota Renan se disse tranquilo e confiante na Justiça. E argumentou que partiu dele oficialmente pedido para essa investigação:

“O senador está tranquilo e, como sempre, confiante na Justiça brasileira sublinhando que, neste episódio, responde ao mesmo tempo por ter recursos para fazer face à despesa mencionada e por não dispor dos recursos. Em um inquérito o senador responde por não ter os recursos. Em outro por dispor dos meios financeiros antes inexistentes”, informa a nota da assessoria de Renan.