O globo, n. 30425, 24/11/2016. País, p. 6

Administradora de prédio na Bahia é ligada a primo de Geddel

Escritório de advocacia ajudou a criar firma responsável por La Vue

Por: TIAGO DANTAS LUIZ FERNANDO LIMA

 

-SALVADOR -As relações da família de Geddel Vieira Lima com o edifício La Vue, em Salvador — cujas obras foram embargadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) —, são anteriores à decisão do ministro da Secretaria de Governo de comprar uma unidade no prédio. A promessa de compra, diz ele, foi assinada ano passado. O ministro não informou ontem a data e as condições em que adquiriu o imóvel. Além de ter familiares defendendo a construtora Cosbat, na tentativa de liberar a obra do edifício, o escritório de um primo de Geddel assinou em 2014 documento que cria a empresa responsável pelo empreendimento.

Semana passada, o então ministro da Cultura, Marcelo Calero, pediu demissão do cargo, alegando que Geddel o pressionava para forçar o Iphan, órgão subordinado ao ministério, a liberar a construção do prédio.

Em 18 de fevereiro de 2014, a Cosbat criou a Porto Ladeira da Barra exclusivamente para tocar o projeto do La Vue. Para isso, a empreiteira recorreu aos serviços do sócio de um primo de Geddel, Jayme de Souza Vieira Lima Filho.

Ontem, a Justiça Federal determinou, por meio de liminar (decisão provisória), a paralisação da obra.

Registrado na Junta Comercial de Salvador, o documento que cria a empresa responsável pelo La Vue é assinado pelo advogado Igor Andrade Costa, único sócio de Jayme no escritório de advocacia. Após Calero acusar Geddel de tê-lo pressionado para que o Iphan desse aval à construção do empreendimento, Geddel admitiu a conversa, mas disse que o seu interesse na obra era motivado pelo fato de ser dono de um apartamento num “andar alto” do prédio. Negou, porém, ter pressionado Calero, e alegou que estava preocupado com a geração de empregos na construção.

Além de ser sócio do primo de Geddel, Igor defende o ministro e o PMDB em dezenas de processos no Tribunal Regional Eleitoral da Bahia pelo menos desde 2012. Também são parte no documento que cria a Ladeira da Barra Empreendimento Luiz Fernando Machado Costa Filho, representante da Cosbat, e Gabriel Queiroz Abud, empresário da Viva Holding SA.

O advogado aparece em outros documentos ligados ao La Vue. Em 17 de maio de 2016, a Porto Ladeira da Barra Empreendimento fez uma procuração no nome de Igor e Jayme para representá-la no processo que correu no Iphan. Também consta na procuração, a que O GLOBO teve acesso, o nome de um estagiário do escritório: Afrísio Vieira Lima Neto, filho do deputado federal Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) e sobrinho de Geddel. A nomeação dos parentes de Geddel para representar a empresa foi revelada ontem pelo jornal “Folha de S.Paulo”.

Semanas antes dessa procuração, o Iphan embargara a obra por entender que o prédio afetaria um conjunto de bens tombados pelo patrimônio histórico na região, como a Igreja de Santo Antônio da Barra. Quando o presidente Michel Temer assumiu o governo, houve troca do comando do Iphan; o embargo foi anulado, e a obra pôde prosseguir até o último dia, quando nova decisão do instituto determinou a paralisação da construção.

 

PARA MP, PRÉDIO AMEAÇA PATRIMÔNIO

Em 16 de setembro de 2015, o escritório do primo de Geddel atuou outra vez pelo La Vue. Naquele dia, o advogado Igor foi nomeado secretário da primeira assembleia de condomínio e ficou responsável por redigir a ata da reunião, de acordo com documento disponível no 2º Registro de Títulos e Documentos de Salvador.

O GLOBO procurou Igor Andrade Costa e Jayme de Souza Vieira Lima Filho, mas não obteve retorno.

Além do embargo do Iphan, a juíza substituta da 19ª Vara Federal, Roberta Dias de Nascimento Gaudenzi, também determinou a paralisação imediata da construção e da comercialização de novas unidades do La Vue. No pedido de liminar, o Ministério Público Federal argumentou que a construção fere o patrimônio histórico de Salvador. (*Enviado especial **Especial para O GLOBO)

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Empenho do ministro por construção é antigo

Mesmo sem figurar como dono de apartamento, Geddel defendia a obra

Por: TIAGO DANTAS - SÉRGIO ROXO


 

-SALVADOR- O ministro Geddel Vieira Lima começou a defender a construção do edifício La Vue, em Salvador, mesmo sem aparecer na lista de compradores de um dos apartamentos do empreendimento. Em 10 de junho de 2015, o ministro da Secretaria de Governo já usava o Twitter para reclamar que vereadores tentavam barrar a obra. Três meses depois, em 16 de setembro daquele ano, o nome do ministro não estava relacionado a qualquer unidade do prédio. Procurado, Geddel não informou ontem quando nem em que condições comprou o imóvel.

Os futuros proprietários de apartamentos se reuniram naquele dia na assembleia de constituição do condomínio. Fazem parte da lista, disponível no 2º Registro de Títulos e Documentos de Salvador, pessoas físicas e jurídicas que compraram ou assinaram com a construtora um instrumento particular de promessa de compra e venda de fração ideal de terreno. De 24 unidades, onze ainda estavam vazias, incluindo as localizadas nos dois últimos andares.

Na reunião de condomínio, ficou acertado que as obras começariam em outubro daquele ano. Segundo a ata da reunião, o dono da Cosbat, Luiz Fernando Machado Costa Filho, frisou, aos donos de unidades do Le Vue, a “importância do assessoramento de arquitetos e/ou decoradores” para a personalização de cada apartamento. Segundo registro na ata, não houve menção à necessidade de aprovar o empreendimento no Iphan pelo fato de se estar dentro de uma área de proteção do patrimônio histórico

A única unidade ligada a Geddel é a 1.101, no 11º andar, registrada em nome da Upside Empreendimentos Ltda, de propriedade de uma prima do ministro. Na Junta Comercial de Salvador, a firma está registrada em nome de João Fábio Paolilo Calazans, Luiz Felipe Vieira Lima Paolilo Calazans e Fernanda Vieira Lima Paolilo Calazans, prima de Geddel e sócia do político baiano no restaurante Al Mare, em Salvador.

Embora não tivesse nenhum contrato reconhecido pela Ladeira da Barra Empreendimento, empresa criada com a única finalidade de gerenciar o La Vue, Geddel deu uma declaração sobre a obra, em junho. Ao saber que alguns vereadores da oposição pretendiam fazer uma audiência pública sobre os impactos urbanísticos do empreendimento, o ministro escreveu no Twitter: “O banqueiro Marcos Marianni está assediando vereadores, pois ele se acha o dono da Ladeira da Barra”.

Controladora do Banco BBM, a família Marianni é proprietária de um imóvel do século XIX que fica nas imediações do La Vue e que, por tanto, seria afetado pela construção do espigão.

 

BATALHA NA CÂMARA MUNICIPAL

O vereador Gilberto Santiago (PT) chegou a pedir a interpelação de Geddel, mas seu requerimento não foi aceito. A base governista da Câmara de Vereadores votou, duas vezes, contra a realização da audiência pública do La Vue. O próprio prefeito ACM Neto disse, na época, que não havia nada de errado com o prédio. Segundo Santiago, a base governista está trabalhando de novo para evitar a realização de uma reunião na Câmara sobre a obra.

Procurado por meio de sua assessoria de imprensa para responder quando assumiu o compromisso de compra de um apartamento no edifício, Geddel informou que a pergunta seria encaminhada para os seus advogados e que aguardava a resposta para se posicionar. Até ontem à noite, não se pronunciou. No contato com a assessoria da Secretaria de Governo, O GLOBO relatou ainda o fato de o nome de o ministro não aparecer na lista da assembleia de constituição do condomínio de 16 de setembro de 2015, mas não houve comentário. (*Enviado Especial)

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Sem citar antecessor da pasta, Temer diz que, com novo ministro da Cultura, vai ‘salvar o Brasil’

 Conselheiro da Comissão de Ética que pedira vista de processo contra Geddel se afasta do caso 

Por: EDUARDO BARRETTO, CATARINA ALENCASTRO, ISABEL BRAGA

 

-BRASÍLIA- Ao dar posse ontem de manhã a Roberto Freire como novo ministro da Cultura, o presidente Michel Temer disse que, desde antes de assumir definitivamente a Presidência, havia convidado Freire para a pasta. Em nenhum momento da cerimônia, o nome do ex-ministro Marcelo Calero, pivô da crise em que mergulhou o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, foi citado, nem por Temer nem por Freire, em seus discursos.

— Temos absoluta certeza de que o governo está ganhando muito. E, se o governo foi bem até agora, a partir do Roberto Freire vai ganhar céu azul, vai ganhar velocidade de cruzeiro e vai salvar o Brasil — disse Temer.

O conselheiro da Comissão de Ética da Presidência que havia pedido vista do processo sobre Geddel pediu afastamento do caso. José Leite Saraiva Filho anunciou a decisão ontem, citando reportagens que questionaram sua isenção para julgar Geddel. Saraiva é o único integrante da comissão nomeado pelo governo Temer. No mesmo dia em que pedira vista, recuou da decisão.

“Suspeição por fatos supervenientes, consistentes nos questionamentos divulgados em veículos de comunicação, a respeito da minha isenção para atuar na questão”, escreveu Saraiva ao presidente da comissão, Mauro Menezes, justificando sua decisão.

Saraiva foi condecorado com o título de cidadão de Salvador a partir de um pedido do então governador Pedro Godinho (PMDB), aliado de Geddel. Segundo reportagem da “Folha de S. Paulo”, publicada ontem, Saraiva é advogado da associação de construtoras da Bahia, da qual faz parte adonado empreendimento La Vue, onde Gedeltem uma unidade. Saraiva representaria a associação em ação contra o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Na última sexta-feira, Geddel foi acusado por Calero de tê-lo pressiona dopara liberara licençado Iphan e permitira construção de um prédio em área tombada de Salvador onde Geddel tem apartamento.

Ontem, por 17 votos a 3, o pedido de convocação de Geddel para explicar o episódio foi rejeitado na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara. O requerimento era de autoria do deputado Jorge Solla (PT- BA).

Deputados da base aliada foram em peso à comissão para rejeitara convocação. Líder do governo na Câmara, incluindo André Moura (PSC-SE), que não integra o colegiado. Ele criticou o requerimento e afirmou que o PT não tem legitimidade para convocar o ministro. Disse que as conversas entre Geddel e Calero foram informais, por isso não há como se caracterizar crime de tráfico de influência:

— Qual o crime cometido por Geddel que não consigo enxergar? — disse Moura.