O Estado de São Paulo, n. 44940, 01/11/2016. Economia, p.B3

 

Tesouro quer mudar classificação de risco

Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli

 

 

Ideia em estudo é tentar mostrar com mais realismo a situação das contas dos Estados.

O Tesouro Nacional vai propor um novo sistema de classificação de risco para as dívidas do Estados. A revisão seria uma resposta ao Tribunal de Contas (TCU). Para o órgão, o Tesouro adotou uma política de garantias facilitadas para que Estados com maior risco de calote pudessem ser contemplados na renegociação das dívidas com a União.

A nova norma, ainda em estudo pelos técnicos do Tesouro, vai incorporar mais dados para analisar a saúde fiscal dos governos regionais e definir parâmetros “razoáveis” para as taxas de juros cobradas nas operações de crédito, segundo um integrante da equipe econômica.

O novo sistema de classificação não fica pronto este ano, mas, até lá, o Tesouro já decidiu que não vai mais garantir financiamentos para quem tem nota C ou D. Isso exclui 13 Estados, incluindo alguns cujos governadores têm visitado Brasília para pedir liberações, como Piauí e Goiás. Desde 2013, nenhum Estado tem nota A.

Uma consultoria externa foi chamada para analisar a situação e ajudar na reformulação dos parâmetros de notas de risco de cada Estado. “Vamos não só colocar novos parâmetros, mas também olhar para a frente.

Hoje, nós olhamos muito para trás”, afirma um integrante da equipe econômica. A política de concessão de garantias também será reformulada.

Para a secretária de Fazenda de Goiás, Ana Carla Abrão, a manutenção do chamado “waiver”, a dispensa do cumprimento de exigências pelo ministro da Fazenda, seria importante para diferenciar situações. “O abuso da utilização da regra vai acabar levando a um retrocesso”, diz. Goiás é um dos Estados que receberam aval da União para contratar empréstimos mesmo com nota ruim.

A regulamentação do Conselho de Gestão Fiscal, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mas nunca implementado, também está nos planos do governo. O conselho poderia, principalmente, solucionar a falta de padrão na metodologia de estatísticas fiscais entre os Estados. 

Em xeque. Os dados fiscais são avaliados na hora de se conferir as notas aos governos regionais, mas estão em xeque desde que o Tesouro divulgou um boletim que abriu a caixa preta das finanças estaduais. Pela análise, sete unidades da federação que diziam respeitar os limites de despesas com pessoal previstos na LRF estão fora das regras. Os cálculos do déficit da Previdência também estavam menores do que realmente são.

Em muitos Estados, os dados foram maquiados pelos governos e validados pelos Tribunais de Contas Estaduais (TCEs) ao aceitarem interpretações da LRF. Isso abriu brechas para que muitos gastos não entrassem na conta, o que subestimou o tamanho do problema.

O Broadcast apurou que muitas vezes os técnicos do Tesouro Nacional fizeram ressalvas nos pareceres que serviram de base para a concessão das garantias, ignorados pelo comando da Fazenda. Mas a avaliação interna hoje no órgão é de que, em diversos casos em que se tornou visível a maquiagem, houve negligência dos técnicos que trabalham na área. “Os Estados mentiam nos dados e o Tesouro fazia vista grossa”, disse um técnico do órgão. 

PARA LEMBRAR

A medida que permitiu que o Tesouro desse aval a operações de crédito para Estados em dificuldades é um dos braços da Nova Matriz Econômica, a política fracassada de estímulos fiscais que marcou o governo Dilma. Essa vertente foi alimentada via empréstimos dos bancos oficiais, com crédito mais barato mesmo para Estados em situação de elevado comprometimento de receitas. 

EXCEÇÃO VIRA REGRA

● Estados com menor capacidade de pagamento receberam maior volume de crédito nos últimos anos 

Dinheiro de empréstimos não foi usado para ampliar investimentos

Estados reduziram investimentos com recursos próprios e elevaram  despesas com pessoal 

Mesmo com baixa capacidade de pagamento, Rio de Janeiro foi um dos mais beneficiados por garantias 

Outros Estados também foram beneficiados por garantias quando tinham notas baixas 

Rio Grande do Sul

Em 2014, com nota C-, o governo estadual obteve R$ 530 milhões e US$ 40 milhões em garantias. Em 2015, a nota do Estado piorou para D+ 

Minas Gerais

Em 2013, o Estado obteve R$ 1,5 bilhão em garantias. Já em 2014, conseguiu R$ 452,6 milhões. Em ambos os anos, tinha nota C 

Goiás

Em 2013, com nota C-, o governo estadual obteve R$ 2,187 bilhões e US$ 11,5 milhões em garantias. Neste ano, com nota D+, conseguiu aval de R$ 1,9 bilhão 

Paraná

Em 2013, o Estado tinha nota B e obteve US$ 350 milhões. No ano seguinte, com nota C+, o volume de garantias cresceu para R$ 816,8 milhões e US$ 68,5 milhões 

Alagoas

Em 2013, com nota C-, o governo estadual obteve US$ 257 milhões e R$ 611,8 milhões em garantias 

São Paulo

Com nota C-, o governo paulista obteve garantia de US$ 500 milhões e R$ 3,9 bilhões em 2013. No ano seguinte, com rating C, ganhou aval para US$ 2,2 bilhões e R$ 1,5 bilhão em novos créditos. Em 2016, a nota caiu a C- e foram concedidos R$ 690 milhões em garantias.