O globo, n. 30425, 24/11/2016. País, p. 8
Garotinho agiu contra a PF antes da prisão
Por: MARCO GRILLO, RUBEN BERTA
Áudios de interceptações telefônicas realizadas pela Polícia Federal durante a Operação Chequinho, que culminou com a prisão de Anthony Garotinho, mostram o ex-governador falando com o deputado João Carlos Bacelar (PR-BA) para combinar uma conversa “não só institucional” com o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. No dia 23 de outubro, um domingo, Garotinho e sua mulher, Rosinha, se reuniram com o ministro em Brasília, em agenda não divulgada oficialmente. Procurado ontem, Moraes confirmou o encontro e disse que o casal queria fazer uma representação por “suposto abuso de autoridade” contra o delegado da PF em Campos, Paulo Cassiano, responsável pela Chequinho. “Foram informados que o procedimento a ser seguido era protocolar eventual representação, que seria encaminhada à Polícia Federal”, afirmou em nota.
TRÊS PROCEDIMENTOS CONTRA DELEGADO
Documentos obtidos pelo GLOBO mostram que o 23 de outubro foi a data de partida para a ofensiva da família Garotinho contra o delegado Paulo Cassiano. A partir das representações encaminhadas ao ministro da Justiça e à Corregedoria Geral da PF naquele domingo, foram instaurados, no dia 3 de novembro, pela Superintendência da PF no Rio, três procedimentos para investigar o responsável pela Operação Chequinho: um inquérito policial, uma correição extraordinária e uma sindicância. Nas apurações, o inquérito chegou a ser digitalizado.
Os áudios das conversas entre Garotinho e Bacelar mostram que o ex-governador procurou inicialmente o deputado para pedir uma reunião com o corregedor-geral da Polícia Federal, Roberto Cordeiro. O parlamentar, porém, oferece a possibilidade de um encontro com Alexandre de Moraes:
“Tô tentando o ministro para você falar com ele amanhã”, disse Bacelar, na gravação feita no sábado, dia 22 de outubro.
No dia seguinte, vem a confirmação. Garotinho quer saber do deputado se ele acha que deveria ir acompanhado de um advogado.
“A conversa não é só institucional, não. É institucional também, mas... Bom... Pondera aí...”, diz o ex-governador.
Os áudios obtidos não tinham a identificação do interlocutor de Garotinho. O próprio Bacelar confirmou à reportagem que foi procurado pelo ex-governador e que intermediou o encontro com o ministro.
— Ele (Garotinho) é meu amigo. No sábado (22 de outubro), ele me ligou desesperado porque estava tendo um problema. Eu estava almoçando com a minha família. É um absurdo o que aconteceu com ele. É meu amigo, presidente do meu partido no Rio e me confidenciou que estava tendo um problema eleitoral muito grande — disse o deputado. — Eu respeito muito o governador Garotinho. Falo com ele sempre. Assim que puder, vou fazer uma visita a ele no Rio.
No dia 22, o parlamentar pergunta a Garotinho se pode “contar” com Clarissa, em referência à deputada, filha do ex-governador, que havia votado contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Teto de Gastos, defendida pelo governo. Àquela altura, o projeto já havia sido aprovado em primeira discussão na Câmara dos Deputados, com o voto contrário de Clarissa. Garotinho sugere que a posição da deputada poderia mudar no decorrer das discussões.
“Eu resolvo. Mas quero resolver aquele assunto”.
No dia seguinte, Bacelar volta ao tema e diz que a posição de Clarissa seria “importantíssima” na segunda votação da PEC, que aconteceria na terça-feira seguinte, e sobre o “abuso de autoridade”, em referências às propostas em tramitação no Congresso que, segundo investigadores, podem limitar o poder de investigação.
"Mas isso ela tem que votar a favor. Isso é um absurdo. O que esses caras estão fazendo daqui a pouco o Brasil virou bagunça”, diz Garotinho.
Bacelar nega que tenha ajudado o aliado como uma moeda de troca para que Clarissa se posicionasse a favor da PEC e da proposta do abuso de autoridade. A deputada votou contra a PEC e foi expulsa do PR.
— Não teve acordo nenhum — afirmou.
O Ministério da Justiça informou em nota que a reunião entre Moraes e o casal Garotinho teria sido pedida por Clarissa.
O delegado Paulo Cassiano não foi encontrado ontem. No sábado, ele afirmou que havia se colocado à disposição da PF para prestar esclarecimentos, mas não havia obtido resposta.
O advogado de Garotinho Fernando Fernandes afirmou que o ex-governador denuncia três casos de “tortura psicológica" feita pelo delegado, fazendo com que réus mudassem seus depoimentos por mais de quatro vezes. Segundo o defensor, “o objetivo é que a investigação seja feita de maneira legal e correta, e que o delegado seja afastado da investigação”. Fernandes ressaltou que não esteve na reunião com o ministro e que Garotinho “foi acompanhado por outro advogado”.
Ontem, o GLOBO mostrou os áudios ao procurador regional eleitoral do Rio, Sidney Madruga:
— É grave, delicado e deve ser averiguado — afirmou o procurador.
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22/10/16 Garotinho: “Olha só, eu preciso agendar com o corregedorgeral da Polícia Federal segunda-feira” João Bacelar: “Corregedor da Polícia Federal na segunda-feira... Tô tentando o ministro para você falar com ele amanhã” Garotinho: “Se for o ministro, melhor ainda.” Bacelar: “Eu tô aqui, já fiz umas ligações, mas até amanhã tem uma posição... Você falar com o ministro pessoalmente.” (...) Garotinho: “Vou. Tô sabendo de uma sacanagem aí... E aí eu tenho que desmontar antes.” (...) Bacelar: “Agora, Garotinho, deixa eu lhe fazer uma pergunta: fale sobre Clarissa aqui. Nós podemos contar com Clarissa?" Garotinho: “Olha, eu converso com ela. Ela tá com uma posição muito contrária àquilo ali e tal, mas eu acho que dá pra virá-la." ----------------------------------23/10/16: Bacelar: “Olá, tudo bem? Marcado às 17h, no ministério. Hoje." Garotinho: “Hoje?” Bacelar: “Hoje.” Garotinho: “Hoje, no Ministério da?” Bacelar: “Justiça” Garotinho: “Mas domingo?“Bacelar: “Hoje. Ele está te aguardando lá, 17h. Não era audiência?” Garotinho: (...) “é claro...”
Bacelar: “Então, hoje, marcado. Se arruma e vai pro pau.” Garotinho: “Então tá bom. Vou sozinho ou levo meu advogado?”
Bacelar: “Foi marcado para lhe atender, não sabemos qual é o problema, só você me confirmando...”
Garotinho: “Não, tá confirmado. Só queria saber se eu vou sozinho ou levo meu advogado.”
Bacelar: “Eu acho que se é uma conversa mais institucional, vai você só.”
Garotinho: “Não. A conversa não é só institucional, não. É institucional também, mas ...Bom... Pondera aí...” (...)
Bacelar: “Então você leva seu advogado, conversa com ele só, num primeiro momento, e deixa um advogado para um segundo momento.”
Garotinho: “O advogado vai comigo? Ok, então tá bom”
Bacelar: “Agora, um segundo ponto. É importantíssima uma ajuda de Clarissa essa semana. A posição individual de Clarissa é importantíssima em dois momentos. Num primeiro momento, na 241. Num segundo momento, uma segunda votação que pode ter na terça-feira.”
Garotinho: “De quê? 285?” Bacelar: “Não. É o assunto do abuso da autoridade, essas coisas todas que estão acontecendo aí.”
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MÁ ACULTURAÇÃO
ÍNDIOS PARAMENTADOS, com penas coloridas e tudo o mais, fizeram manifestação em Brasília contra o “neoliberalismo”.
SINAL NÃO apenas de uma bem-vinda aculturação, mas também de grotesca manipulação por grupos políticos espertalhões. Não se sabe como seriam slogans anticapitalistas na língua jê.
MAS COMO não é possível filtrar o que povos indígenas aprendem com o “homem branco”, os silvícolas deram demonstração de má educação ao urinarem em público e no patrimônio público. Mau exemplo.
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Por: JAQUELINE FALCÃO E STELLA BORGES
-SÃO PAULO- Cabisbaixo, vestindo uma camiseta surrada amarela e uma bermuda preta — as únicas peças que lhe restaram —, o boliviano Nino Miranda foi um dos sobreviventes do incêndio em um prédio no bairro do Belém que terminou com a morte de quatro pessoas. Não havia até ontem à noite informações sobre a identidade das vítimas. O Corpo de Bombeiros estima que 35 pessoas — a maioria da Bolívia — viviam ali, entre máquinas de costura e tecidos.
A região do incêndio é conhecida por ter pequenas tecelagens onde, principalmente bolivianos, submetem-se à carga excessiva de trabalho.
No prédio havia dez minúsculos quartos com divisórias em madeira. Todos eram alugados. Não havia cozinha e banheiro privativos. Nem janelas.
— Trabalhando bastante, conseguimos receber R$ 2 mil por mês — conta o jovem, há dois anos no Brasil.
Mesmo após o rescaldo, os bombeiros não tinham ainda informação sobre a causa do incêndio.
Dados organizados pelo Observatório de Turismo e Eventos da cidade de São Paulo mostram que 53 mil bolivianos vivem em São Paulo, mas, como há muitos vivendo ilegalmente, esse número pode ser muito maior.
O Ministério do Trabalho informou que abriu duas linhas de investigação para investigar o incêndio. A primeira apura se houve um acidente de trabalho. A segunda, para saber se havia condições análogas à escravidão no local. O proprietário da confecção ainda não foi localizado.
— Estamos confirmando se havia moradia junto com o local de trabalho, jornada extenuante, inexistência de condições de segurança e saúde, e pagamento aviltante. Caso positivo, é configurado o trabalho análogo ao escravo — explicou Renato Bignami, auditor fiscal do Trabalho.