O globo, n. 30420, 19/11/2016. País, p. 4

Abatido, Cabral divide cela com cinco ex-assessores

 
Antônio Werneck
Marco Grillo

 

A tranquilidade demonstrada na entrada do Complexo de Gericinó, na Zona Oeste do Rio, não resistiu à mudança de rotina. Horas após encontrar uma brecha para lembrar, com bom humor, aos agentes penitenciários que fora responsável por aumentar o salário da categoria, o exgovernador Sérgio Cabral chorou pela primeira vez. O abatimento foi presenciado, também em outros momentos, pelos profissionais que, de comandados, passaram a responsáveis pela custódia do ex-chefe. Um evento familiar, previsto para hoje, não terá a presença de Cabral.

Ao entrar na cela de 16 metros quadrados que vai ocupar, por tempo indeterminado, em Bangu 8, o ex-governador escolheu dormir na cama de baixo de um dos beliches. No cárcere, ele tem a companhia de cinco velhos conhecidos e, segundo o Ministério Público Federal (MPF), integrantes do mesmo esquema de corrupção que desviou R$ 224 milhões dos cofres públicos. Bastante próximos a Cabral, o operador Carlos Emanuel Miranda, o Carlinhos — ex-marido de uma prima do ex-governador —,e o ex-assessor Paulo Fernando Magalhães ocupam o mesmo ambiente do chefe. Também estão no espaço restrito o ex-secretário de Obras Hudson Braga, o operador José Orlando Rabelo e Luiz Paulo Reis, apontado como laranja de Braga. Todos cumpriram o ritual de entrada no sistema carcerário e tiveram os cabelos raspados. Em seguida, foram fotografados com a camisa verde e a calça que servem de uniforme aos detentos.

A cela tem um chuveiro, uma pia e um dispositivo sanitário no chão, conhecido como “boi”. Os beliches de cimento completam o cenário. O banho de sol, direito diário, dura duas horas — não há período fixo determinado, a escolha depende do diretor da unidade. Para passar o tempo, Cabral optou pelo livro “Em nome de Deus: o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e nos islamismo”, de Karen Armstrong. A obra, que analisa as origens do extremismo religioso nas três religiões, foi levada pelo ex-governador na mochila que carregou para o presídio. A biblioteca da unidade também pode ser acessada pelos presos, que, acompanhados de um carcereiro, devem retornar à cela assim que o livro for escolhido. As visitas ao presídio acontecem às quartas e sábados, salvo algum caso especial, que precisa ser solicitado previamente e autorizado pelo comando da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap).

A cerca de um quilômetro, o também ex-governador Anthony Garotinho — ex-aliado de Cabral, hoje adversário político — ocupava um leito, que também tem grades, como uma cela, no hospital penitenciário do complexo. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou, na noite de ontem, a transferência de Garotinho para um hospital, mas o processo não havia sido concluído até o fechamento desta edição. Provocado por agentes penitenciários, que relataram que Garotinho seria levado para a sua cela, Cabral riu e recusou a oferta.

Segundo o titular da Seap, coronel Erir Ribeiro da Costa Filho, Cabral não fez reclamações desde que ingressou no presídio. Comandante-geral da Polícia Militar durante um período do governo Cabral, e exonerado por Garotinho do comando de um batalhão da PM em um episódio turbulento, Costa Filho é responsável agora pela custódia de dois ex-chefes. Não demonstra constrangimento — “sou profissional, cumpro meu papel” — e nega que haja qualquer regalia para os presos ilustres. O cardápio é o mesmo dos outros detentos — ontem, Cabral jantou salsichão acebolado, chicória refogada e polenta; hoje vai almoçar carne ensopada com purê de abóbora, sempre com arroz e feijão. Há ainda autorização para familiares levarem alimentos, em plásticos transparentes, desde que não seja nada “imoral” — como lagosta e camarão. Bangu 8 tem capacidade para receber 154 presos, e hoje abriga 130 — os números foram citados como exemplos para rebater a afirmação, veiculada nas redes sociais, de que as galerias teriam sido esvaziadas para a chegada de Cabral, com o intuito de oferecer mais conforto.

— Eu sigo as regras. Quem ingressa no sistema é tratado igual a cada um dos internos que já estão lá — assegurou o secretário.

Para o presidente do sindicato dos Servidores do Sistema Penal, Gutembergue de Oliveira, não há irregularidades:

— Todos os presos estão sendo tratados de forma igual.

As regras permitem que familiares levem, além de alimentos, material de higiene pessoal, lençóis e ventiladores. Uma resolução da Seap estipula também que cada cela pode ter até duas televisões, desde que pequenas, com 14 ou 21 polegadas.

Assim como a Seap, o Ministério Público estadual (MP-RJ) também negou a existência de regalias. Após a proliferação, nas redes sociais, dos boatos sobre supostos privilégios, a promotora Valéria Videira, responsável pela fiscalização no complexo, fez uma fiscalização na manhã de ontem. Em nota, o MP informou que “a promotora constatou que não procedem os boatos de que o ex-governador Sérgio Cabral tenha tratamento privilegiado em Bangu 8”. O órgão disse ainda ter verificado que “o ex-governador Anthony Garotinho encontrava-se no Hospital Penal Hamilton Agostinho, também sem receber privilégios”.

Sobre a presença de seis acusados de pertencerem ao mesmo grupo suspeito de atos de corrupção na mesma cela, a Seap informou que procedeu desta forma porque “não há determinação judicial para que os acusados fiquem em celas separadas”.

O procurador do Ministério Público Federal Lauro Coelho, integrante da força-tarefa da Lava-Jato no Rio, não acredita que o fato de os acusados estarem juntos possa atrapalhar a investigação. Todos eles já prestaram depoimentos, antes de serem levados para a cadeia.

— Em termos de administração penitenciária, você não isola as pessoas — explicou o procurador (Colaborou Juliana Castro).

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Ex-governador foi monitorado desde o feriado

 

Oex-governador Sérgio Cabral começou a ser monitorado por agentes da Polícia Federal (PF) em Mangaratiba, dias antes da prisão, quando passou o feriadão do Dia da República em sua casa no condomínio Portobello Resort. Para os responsáveis pela Operação Calicute, nova fase da Lava-Jato no Rio, cuidados como este explicam o êxito completo nas dez prisões e 14 conduções coercitivas autorizadas pela Justiça Federal. Só a PF mobilizou um total de 232 agentes, 30 deles trazidos na quarta-feira de avião de Curitiba, para cumprir os objetivos.

Na rua. Agentes da PF cercam prédio do ex-secretário Hudson Braga (Obras)

Dos alvos prioritários, o único que exigiu um esforço maior da PF foi Carlos Emanuel de Carvalho Miranda, apontado como o principal operador de Cabral. Como os agentes não o encontraram no endereço residencial, ligaram para o seu telefone celular e disseram que queriam encontrá-lo. Ele, então, informou que estava em sua fazenda, em Sebollas, no interior de Paraíba do Sul, para onde a equipe rumou imediatamente, para dar a voz de prisão.

Durante os três meses de investigação, a Calicute mobilizou 12 agentes da Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros (Delecor), mas a execução dos mandados, na quintafeira, precisou de um pequeno exército e uma logística singular. Para apreender a “Manhattan Rio”, embarcação de propriedade de Paulo Fernando Magalhães Pinto, considerado laranja de Cabral, os agentes tiveram de abordar a marina Verolme, onde o barco estava, de lancha.

A princípio, a operação em conjunto com o Ministério Público Federal estava prevista para o fim do mês, mas os responsáveis preferiram antecipá-la, por achar que a situação política do estado, afetada por um pacote de contenção de gastos, poderia se agravar.

A prisão do ex-governador Anthony Garotinho, na véspera, não foi vista como uma dificuldade a mais. Pelo contrário. Os policiais desconfiavam que o político, inimigo contumaz de Cabral, incitaria a população a protestar contra Cabral durante a execução dos mandados e condução dos presos à sede da PF.

Além das prisões e conduções, a PF apreendeu duas lanchas, dois jets skis, um jet boat, 17 veículos, 83 joias, 18 obras de arte, aproximadamente R$ 82 mil e US$ 27 mil em espécie.