Correio braziliense, n. 19524, 08/11/2016. Brasil, p.7

 

Bolsa Família cancela 469 mil benefícios

Alessandra Azevedo

 

 

CONJUNTURA » Medida faz parte da determinação do governo de ajustar as contas públicas. De acordo com MDSA, famílias que perderam o repasse têm renda acima da exigida pelo programa. Saques de outras 654 mil pessoas estão bloqueados até que comprovem rendimentos. 

Como forma de ajustar as contas públicas, o governo decidiu controlar os gastos sociais. Após iniciar investigação de benefícios previdenciários concedidos indevidamente pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o pente-fino da vez está sendo feito no principal programa de transferência de renda do país, o Bolsa Família. Ao cruzar dados do Cadastro Único do programa com registros administrativos do governo federal, o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) constatou que 1,1 milhão de inscritos não tinham o requisito básico para receber o benefício — ou seja, cada integrante da família ganhava mais que R$ 170 por mês. O número equivale a 8% dos 13,9 milhões de beneficiários.

Como resultado da inspeção, 469 mil benefícios foram cortados a partir deste mês. O cancelamento imediato foi instituído nos casos em que o governo verificou que cada membro da família recebe mais de R$ 440 por mês, o equivalente a meio salário-mínimo. O impacto dessas ações na folha de pagamento do Bolsa Família será de R$ 1 bilhão.“Vamos separar o joio do trigo e focar em quem realmente precisa receber o benefício. Queremos garantir que o programa não seja contaminado pelo uso indevido do dinheiro público”, afirmou o ministro do MDSA, Osmar Terra, em coletiva na tarde de ontem. 

Notificação

Outras 654 mil famílias tiveram os saques bloqueados por terem renda per capita entre R$ 170 e R$ 440. Nesses casos, os beneficiários foram notificados por meio de extrato bancário ou pelo aplicativo da Caixa Econômica Federale têm até três meses para recorrer. O depósito continuará sendo feito, mas as famílias só poderão sacar os retroativos quando comprovarem renda inferior a R$ 170 nas instâncias municipais responsáveis pelo Cadastro Único. Caso isso não seja feito, o benefício será cancelado. Nos casos de bloqueio, a economia aos cofres públicos será de R$ 1,4 bilhão, se as irregularidades forem confirmadas.

“O dinheiro será usado para melhorar o benefício de quem já recebe e possibilitar a entrada de novas famílias no programa”, garantiu o ministro, que negou a possibilidade de cortes de recursos para o Bolsa Família. Segundo ele, o orçamento de 2017 para o programa será superior ao deste ano. “Não há direcionamento do governo para pôr fim nos programas de políticas sociais”, prometeu.

Para chegar às irregularidades, o governo cruzou dados autodeclarados no Cadastro Único com registros do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Sistema de Controle de Óbitos (Sisobi), entre outros. A partir de agora, essas informações serão analisadas antes da concessão do Bolsa Família, e o pente-fino será mensal. “Vamos transformar isso em um trabalho rotineiro, com cruzamentos mensais e prévios à concessão do benefício, para evitar possíveis inconsistências”, ressaltou Tiago Falcão, secretário Nacional de Renda de Cidadania. O CPF passa a ser necessário para a inscrição.

Entre as famílias com benefícios bloqueados,13 mil foram identificadas como doadoras de campanha na prestação de contas de candidatos nas eleições de 2016, após comparação de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Tribunal de Contas da União (TCU).

Além dos inscritos que tiveram os benefícios cancelados ou bloqueados, 1,4 milhão de famílias foram convocadas a atualizar os cadastros em janeiro de 2017. Nesse grupo, os integrantes têm renda abaixo de R$ 170, mas há outras inconsistências nos dados informados ao Cadastro Único, base de autodeclaração usada para se inscrever no programa.

A Defensoria Pública da União (DPU) afirmou que está de olho no pente-fino. “Vamos analisar se tem havido irregularidades. De qualquer forma, se alguém se sentir prejudicado, pode procurar a DPU do estado e fazer a denúncia”, sugere a defensora pública Diana Andrade.