O globo, n. 30420, 19/11/2016. Economia, p. 25

Um ‘FMI’ para os estados

 

Geralda Doca
Martha Beck
Eduardo Barretto
 


A União deve socorrer estados com plano que fiscaliza metas e libera recursos aos poucos. O ministro Padilha disse que serão usados US$ 100 bi que o BNDES devolverá à União. A Fazenda resiste. O governo federal costura um plano de socorro financeiro aos estados, que prevê a fixação de metas e a prestação periódica de contas. Os recursos serão liberados aos poucos, à medida em que os estados cumprirem as metas de ajuste fiscal. Assim, a União atuaria como um “FMI dos estados” na fiscalização dos compromissos assumidos. Ontem, em entrevista à Rádio Gaúcha, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que a fonte de recursos para o auxílio inclui parte dos R$ 100 bilhões que o BNDES ficou de antecipar ao Tesouro Nacional, referentes a empréstimos concedidos à instituição, conforme antecipado pelo GLOBO. Segundo informou Padilha ontem, também será usada parte das receitas do programa de repatriação de ativos não declarados no exterior. Mas o uso dos R$ 100 bilhões que serão devolvidos pelo BNDES enfrenta a resistência da equipe econômica. Ontem, em Nova York, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, negou a possibilidade de usar o dinheiro a ser devolvido pelo banco de fomento para ajudar os estados. A decisão final será do presidente Michel Temer, que, na próxima terça-feira, se reunirá com os governadores para tratar do assunto.

Trabalho meticuloso. O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha: “O Brasil só vai ser forte se os estados forem fortes”

De acordo com o consultor da Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados, Leonardo Rolim, que trabalhou com o economista Raul Velloso na elaboração da proposta de socorro aos estados, a intenção é repetir o que foi feito na década de 1990, quando a União ajudou os entes da federação em troca de um duro ajuste fiscal. Para ele, não haverá solução para os estados sem que o governo federal assuma a dianteira.

— A ideia é repetir o que a União fez com o estados na década de 1990, em que ofereceu ajuda, mas cobrou contrapartidas, inclusive com fixação de metas e prestação periódica de contas. A União teria um papel semelhante ao do FMI (Fundo Monetário Internacional) — disse Rolim.

A contrapartida a ser exigida dos governadores inclui corte de gastos com a folha de pessoal e aposentados; monitoramento das despesas com pessoal, com metas individuais de redução de gasto; capitalização dos regimes de próprios de previdência; aumento da arrecadação, com melhoria na recuperação de crédito; melhoria da eficiência dos serviços públicos, com metas de produtividade; alternativas para geração de receitas; e desestatização.

 

SEM CONSENSO SOBRE RECURSOS DO BNDES

Padilha explicou que a ideia do presidente é pactuar com os estados. À medida que eles forem ajustando suas contas e cumprindo metas fixadas no plano, vão receber os recursos. O ministro defendeu que os estados vão precisar de um calendário, porque, embora precisem adaptar o gasto à receita, não se pode fazer isso “de uma hora para outra”. Ele citou como exemplo o Estado do Rio, onde o corte na despesa teria de chegar a 60%.

— Os governadores terão que dar demonstração clara de que vão ajustar suas contas. Senão, resolve hoje, e daqui a um ano está tudo de volta. Vai havendo liberação progressiva dos recursos, (a União) vai liberando conforme (os estados) vão cumprindo a meta mês a mês. Vai ser um trabalho bastante meticuloso, mas vale a pena. O Brasil só vai ser forte se os estados forem fortes — afirmou Padilha.

A ideia de usar o BNDES veio dos governadores e recebeu o apoio do Planalto, especialmente do ministro da Casa Civil. Mas os técnicos da equipe econômica são contrários a isso, nesse formato, e apontam uma série de dificuldades de implementação. Uma delas é que a própria devolução de R$ 100 bilhões do BNDES ao Tesouro é algo controverso, que precisa passar pelo crivo do Tribunal de Contas da União (TCU). O tribunal está analisando se a devolução do dinheiro será para abater a dívida bruta, e não para ajudar os estados.

Maria Silvia Bastos Marques, presidente do BNDES, afirmou não ter conhecimento de qualquer proposta do governo federal para transformar os R$ 100 bilhões que o banco vai antecipar à União em socorro financeiro para os estados em crise fiscal. Os recursos, disse, estão destinados à redução da dívida pública.

A Fazenda defende que os estados façam operações de securitização de dívida ativa e de emissão de debêntures por meio de estatais. No caso do Rio, o Rio Previdência — uma estatal não dependente — poderia emitir debêntures no mercado usando direitos de royalties como garantia. Mas isso também apresenta dificuldades. O estado já fez, nos últimos anos, uma série de operações em que os royalties foram dados como garantia. Ou seja, não há tanta margem assim para usar essas receitas.

Em 2006, o Rio capitalizou o Rio Previdência com royalties que pertenciam ao governo do estado. Assim, a estatal passou a ser detentora desses direitos, tendo liberdade para dá-los como garantia em operações no mercado. Em 2014, por exemplo, foram emitidos papéis de dez anos com lastro em royalties, em uma operação estruturada pelo Banco do Brasil e pelo BNP Paribas. Segundo os técnicos, ela foi bemsucedida, tendo obtido nota das agências de classificação de risco Fitch e Standard & Poor’s.

O mesmo poderia ocorrer agora. O Banco do Brasil já começou a discutir essa possibilidade do Rio com instituições estrangeiras. Por lei, os estados não são autorizados a emitir títulos no mercado financeiro.

Estados e municípios poderiam participar do modelo, e seria contemplado quem conseguisse securitizar primeiro seus ativos, seja em quotas de fundos de investimentos ou debêntures. O Rio é citado por ter uma securitizadora e ter experiência em recebíveis, como royalties do petróleo.

Na entrevista à rádio, Padilha disse que há vontade política do governo federal para ajudar a resolver a crise nos estados. Ele acrescentou que, nos últimos 15 dias, com os protestos no Rio, o tema tem sido prioridade para Temer.

— Tem 15 dias que o tema número um do presidente é encontrar uma fórmula legal em que o governo federal possa dar uma mão, uma ajuda, possa renegociar, para usar uma expressão mais correta, a recomposição das finanças dos estados, de forma que a federação consiga ter estados que sejam ativos — disse Padilha.