O globo, n. 30420, 19/11/2016. Economia, p. 26

Eles estão cercados

 

Míriam Leitão

 

Aumenta o cerco contra a corrupção no mundo. A cooperação internacional contra o crime financeiro se intensificou nos últimos anos para recuperar o fruto do roubo e fechar o cerco em torno de quem comete o delito. O procurador do MP para Cooperação Internacional, Vladimir Aras, acha que sem essa nova relação entre os países, e a troca de provas, a Lava-Jato não teria o tamanho que tem. Hoje, o Brasil fornece dados a outros países.

‘Cooperação policial existe há muito tempo, a Interpol é dos anos 20 e vai fazer 100 anos, mas cooperação jurídica é mais recente e veio crescendo nos últimos anos, fechando o cerco em torno do crime”, disse Vladimir Aras.

A cooperação teve, segundo Aras, três vetores. Contra o narcotráfico, contra o terrorismo e contra o crime organizado. O primeiro conjunto de medidas surge nos anos 1960, para combater o tráfico de drogas, e depois ele evolui para reprimir também a lavagem de dinheiro em torno da venda de drogas.

— A primeira geração de lavagem de dinheiro nos anos 1980 era focada na repressão contra o tráfico de drogas. A nossa lei, que é de 1998, já inclui uma série de outros crimes — diz Aras.

No final dos anos 1990, e, principalmente, após 2001, começam as legislações internacionais de combate ao crime financeiro ligado ao terrorismo:

— Depois do 11 de Setembro e dos atentados de Madri e Londres se fortalece a ideia de que é preciso combater o financiamento do terrorismo. A Convenção da ONU de Supressão do Financiamento do Terrorismo, que é de 1999, ganha mais força e adesão. Antes, o que havia era o terror nacional, o ETA, as Brigadas Vermelhas, movimentos dentro dos países, mas o crime se torna globalizado e por isso a repressão a ele precisa da cooperação dos países.

Em seguida, começa o terceiro vetor, que leva à Convenção da ONU Contra o Crime Organizado, que foi assinado em Palermo para homenagear Giovani Falconi, e que estabelece regras para a cooperação contra lavagem de dinheiro, a troca de provas e a recuperação de ativos, segundo conta Aras. Para reforçar, foi firmada logo depois a Convenção da ONU contra a Corrupção:

— Até então, os acordos entre os países sempre excluíam das trocas de informações os crimes fiscais. Cooperavase em várias áreas, menos nessa. Isso começou a acabar com a intensificação dos acordos, tratados e convenções.

Em 2011, houve outro passo nesse cerco ao crime financeiro ligado à corrupção. Foi firmada a Convenção da OCDE de Cooperação Administrativa Contra a Corrupção. Esse acordo foi se ampliando com a inclusão de outros países que nem são parte da OCDE e se transformou num grande instrumento de repressão do suborno. Através dele passa a haver mais troca de dados entre as nações, inclusive as que sempre foram consideradas paraísos fiscais. Europa e Estados Unidos pressionaram países como Uruguai, ilhas do Caribe, Suíça, Luxemburgo, Liechtenstein para que fechassem as lacunas legais pelas quais se esconde o dinheiro fruto de propina.

— Isso foi um grande avanço. Até os anos 1990 havia inclusive em vários países a possibilidade de se deduzir dos tributos o que se pagava de comissões em países estrangeiros. Agora, passa a haver troca de informações para combater exatamente esse crime. Está se fechando cada vez mais o cerco — comemora o procurador.

No Brasil, entrou em vigor a lei derivada dessa convenção da OCDE em outubro e vai entrar em vigor na Suíça em janeiro de 2017. Daí para diante, a cooperação administrativa, a troca de informações e de provas na área financeira e fiscal será muito maior, ficando cada vez mais difícil esconder o dinheiro das várias formas de desvio.

— Foi por isso que houve essa correria para repatriação do dinheiro no exterior e para legalizar os recursos. Antes, a Suíça não considerava que a sonegação era crime. Passava a ser apenas quando fosse fruto de fraude. Mas no futuro haverá muito mais facilidade para troca de provas. Um funcionário público que tiver no exterior bens incompatíveis com seus ganhos será facilmente localizado — diz Vladimir Aras.

 

O procurador diz que não tem dúvidas de que novos passos serão dados e haverá mais conexão entre o Ministério Público dos países para fechar o cerco em torno do crime de corrupção. O crime que tem nos ferido tanto.