Sob pressão, Câmara adia votação de anistia ao caixa dois

Isabel Braga, Leticia Fernandes e Evandro Éboli

25/11/2016

 

 

Emenda que circulou em plenário estende o perdão a todos os crimes vinculados às doações eleitorais

 

-BRASÍLIA- Reuniões intermináveis, discursos acalorados e bate-bocas madrugada adentro. A tensão que imperou na Câmara nos últimos dois dias, em que sobraram até vaias para o relator do projeto das medidas contra corrupção, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), ainda não teve um desfecho. Mas, depois de muita pressão nas redes sociais, ficou adiada para terça-feira a votação do projeto e também da polêmica emenda que vem sendo negociada por líderes partidários para anistiar todos os crimes vinculados às doações eleitorais, declaradas ou não.

Na quarta-feira, o gabinete de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, foi transformado no bunker da articulação para desfigurar as dez medidas contra a corrupção. Durante as longas horas em que os líderes se reuniram, ouviam-se gritos exaltados do lado de fora, a ponto de Maia tirar os jornalistas do corredor que dá acesso à sua sala. Regadas a fartas panelas de arroz carreteiro e galinhada mineira, as discussões sobre o relatório, que vararam a madrugada, não chegaram a um ponto de consenso. Muitos dedos foram apontados para o líder do DEM, Pauderney Avelino, que foi o responsável por indicar Onyx para a relatoria do projeto e agora é acusado de não conseguir “controlar” o correligionário.

— Pauderney inventou o Onyx e depois não conseguiu controlá-lo— disse um dos presentes.

Deputados cobravam mudanças no texto relativo à tipificação do crime de caixa dois. O maior problema era descobrir quem assumiria o desgaste de apresentar a emenda para anistiar os crimes vinculados às doações eleitorais, que deveria ser assinada por todos os partidos. O PT avisou que não iria assinar, mas garantiu que tampouco iria obstruir. Segundo líderes, a reação do PT — com a divulgação de manifesto público — contaminou as bancadas de DEM e PSDB, principalmente depois que as reações contra a anistia aumentaram muito nas redes sociais.

— Todos os aliados apoiaram, mas, como sempre, PSDB e DEM roem a corda. Na hora da assinatura, não quiseram — criticou um líder aliado.

O texto que boa parte dos líderes defendeu que seja incluído no projeto anistia qualquer crime que esteja vinculado a doação legal ou ilegal. “Não será punível nas esferas penal, civil e eleitoral, doação contabilizada, não contabilizada ou não declarada, omitida ou ocultada de bens, valores ou serviços, para financiamento de atividade político-partidária ou eleitoral, realizada até a data da publicação dessa lei”, diz o texto da emenda, que até ontem ainda não tinha um dono.

Pressionado pela maioria dos partidos, que estão preocupados com a delação premiada de executivos da Odebrecht, coube a Rodrigo Maia garantir que a votação acontecerá ainda esta semana. Numa espécie de contraofensiva, o chefe da força-tarefa da Lava-Jato, Deltan Dallagnol, manteve conversas com o relator e fez um périplo aos gabinetes de líderes dos partidos.

Enquanto a comissão especial tentava votar o texto e a reunião de líderes se alongava, também crescia a tensão no plenário. Na minúscula sala privativa de Maia, mais de 30 parlamentares se espremiam para discutir alternativas. O esgotamento físico dos líderes era evidente, e alguns se referiam à possível emenda da anistia como uma “Operação Tabajara”. Às 3h, quando pareciam ter chegado a um consenso — apresentariam um substitutivo modificando o texto de Onyx, e o destituiriam da relatoria —, Maia concordou, mas pediu respaldo dos líderes, que chegaram a assinar um papel apoiando a manobra. O acordo naufragou diante da resistência de DEM e PSDB, que avaliaram que seria um “escândalo e um desgaste” para a Casa.

— Ninguém se entendia, o clima era de muita insegurança. Tinha uma clara confusão entre os líderes — contou um parlamentar.

Ontem à tarde, quando Rodrigo Maia foi ao plenário e anunciou que a votação ficará para a próxima semana, houve quem criasse teorias da conspiração. Desconfiados, parlamentares chegaram a dizer que a articulação seria uma armação do DEM para prejudicar o presidente Michel Temer e, assim, sentar em sua cadeira.

— Ele (Maia) quer roubar o lugar do Temer — especulavam integrantes do baixo clero, confusos: — Só pode ser.

 

“Todos os aliados apoiaram, mas, como sempre, PSDB e DEM roeram a corda. Na hora da assinatura, não quiseram”

Queixa de líder aliado do governo

 

 

O globo, n. 30426, 25/11/2016. País, p. 04.