O Estado de São Paulo, n. 44956, 17/11/2016. Política, p. A9

Garotinho é preso por suspeita de compra de votos

Ex-governador doRio é detido preventivamente por ordem de juiz eleitoral do município de Campos

Por: Wilson Tosta / Fábio Grellet

 

Sob acusação de comprar votos, o ex-governador do Rio Anthony Garotinho (PR) foi preso ontem por policiais federais em um apartamento no Flamengo, na zona sul da capital fluminense. A ordem de prisão preventiva (sem prazo para terminar) foi emitida pelo juiz Glaucenir Silva de Oliveira, da 100.º Zona Eleitoral de Campos dos Goytacazes, cidade do norte fluminense. Garotinho é secretário de Governo do município, que tem sua mulher, a ex-governadora Rosinha Garotinho (PR), como prefeita.

A prisão foi parte da Operação Chequinho, que investiga o uso do programa municipal Cheque Cidadão para obter apoio eleitoral.

Antes da eleição deste ano, quase 20 mil pessoas teriam obtido irregularmente o benefício na cidade. O advogado de Garotinho, Fernando Fernandes, classificou a ação da PF como abusiva e ilegal.

A defesa do ex-governador impetrou habeas corpus no Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE-RJ) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Garotinho foi detido de manhã no apartamento na Rua Senador Vergueiro. No momento da prisão, a deputada federal Clarissa Garotinho (PR), uma de suas filhas, estava em uma reunião com outros parlamentares e o governador Luiz Fernando Pezão ( PMDB), para discutir a crise do Rio, no Palácio Guanabara, sede do governo estadual, em Laranjeiras, zona sul, perto dali. Ela deixou o encontro para acompanhar o pai.

Garotinho foi conduzido sem algemas à sede da PF, na Praça Mauá, de onde saiu no início da tarde para se submeter a exame de corpo de delito no Instituto Médico-Legal (IML) do Rio. Garotinho voltou à sede da PF e aguardava transferência para Campos quando reclamou de sintomas de hipertensão. Uma equipe médica foi chamada e constatou que seria inadequado levá-lo para o município. A transferência foi suspensa e por volta de 18h uma ambulância levou o ex-governador para o Hospital Municipal Souza Aguiar, onde iria passar a noite. Segundo seu advogado, Garotinho só será conduzido para Campos quando se restabelecer e caso o habeas corpus não tenha sido concedido.

Para o juiz que determinou a prisão, Garotinho “não só está envolvido, mas comanda com ‘mão de  ferro’ um verdadeiro esquema de corrupção eleitoral neste município (Campos), através de um programa assistencialista eleitoreiro.” Segundo o magistrado, “a fraude comandada pelo réu hipertrofiou o programa mediante a distribuição do Cheque Cidadão através de vereadores e candidatos de sua preferência e de sua base aliada, chegando a alcançar o absurdo número de 18.000 benefícios” cadastrados por ocasião da eleição. / COLABORARAM RAFAEL MORAES MOURA e JULIA LINDNER

 

PARA LEMBRAR

Programa é simbólico

O Cheque Cidadão foi um dos símbolos das gestões de Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho (foto) no Estado do Rio, de 1999 a 2006, e era muito questionado. Entre as provas colhidas nas investigações da Operação Chequinho estão gravações de telefonemas de Garotinho, realizadas com autorização judicial. Para o juiz Glaucenir Silva de Oliveira, que ordenou a prisão do ex-governador, as conversas mostram que o político exercia “protagonismo e comando” na “cadeia da associação criminosa”, além de “dominação inclusive sobre o Parlamento municipal”. Em uma conversa, o presidente da Câmara Municipal de Campos de Goytacazes, Edson Batista, chama o político do PR de “comandante” e pede orientações.

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Defesa aponta ‘abuso’ de juízo

 

Em nota, a defesa de Anthony Garotinho diz que a “prisão vem na sequência de uma série de prisões ilegais decretadas por aquele juízo e suspensas por liminares do TSE”. “A prisão decorre de sua constante denúncia de abusos de maus tratos a pessoas presas ilegalmente naquela comarca.

Estas denúncias de abuso foram dirigidas à Corregedoria da Polícia Federal e ao juiz, que nenhuma providência tomou.”

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Ex-governador perdeu dimensão política nos últimos anos

Por: Wilson Tosta

 

A prisão do ex-governador Anthony Garotinho pela Polícia Federal na Operação Chequinho simboliza, para alguns adversários, o que há muito se tornou uma carreira política às avessas. Depois de se eleger governador em 1998 e de, em 2002, fazer a sucessora no Estado e conquistar 15 milhões de votos na disputa pela Presidência, há pelo menos uma década o ex-governador dedica-se cada vez mais à política de sua Campos dos Goytacazes.

Desde a vitória em 2006, de Sérgio Cabral Filho (PMDB), que apoiou, Garotinho “emagreceu” politicamente, perdendo importância nacional e estadual. Passou por diferentes partidos, aliou-se (e depois brigou) a políticos como Leonel Brizola, Luiz Inácio Lula da Silva e Eduardo Cunha. Enfatizou, com mais ou menos força, segundo sua estratégia, seu perfil evangélico. Esteve à esquerda, à direita, ao centro. Colheu forte rejeição na capital, sobretudo na classe média, mas apoio nas áreas populares, como a Baixada Fluminense, e no interior.

Com grande capacidade de comunicação e fascinado por rádio e marketing, o radialista Garotinho viveu, nos seus primeiros 22 anos de política, uma ascensão que parecia ter como limite o Palácio do Planalto.

Começou sua militância pelo PT, nos anos 1980 do século passado, mas em 1983 foi para o PDT de Brizola, que acabara de se eleger pela primeira vez para o governo fluminense. Antes de chegar ao governo do Rio, Garotinho foi deputado estadual, secretário do Estado, duas vezes prefeito de Campos. Na disputa pela Presidência já pelo PSB, surpreendeu ao superar o veterano Ciro Gomes por 5milhões de votos.

Já com dimensão nacional e com a máquina do governo do Rio sob controle da sua mulher, a governadora Rosinha Garotinho, o ex-governador, secretário de Segurança e depois de Governo, foi para o PMDB, de olho em uma possível nova disputa pelo Planalto.

Não conseguiu: os caciques do partido não deram seguimento a seu projeto.

Em maio de 2006, acusado de financiamento ilegal de campanha, Garotinho protagonizou uma greve de fome contra o que chamou de perseguição da mídia. Gerou tumulto de manifestantes, além de piadas em série: havia quem dissesse que o ex-governador se alimentava às escondidas e também quem defendesse que fizesse greve “até o fim”. Na campanha eleitoral, apoiou Cabral Filho, de quem logo se distanciou.

Conseguiu eleger a filha Clarissa Garotinho vereadora, deputada estadual e deputada federal e fez da mulher, Rosinha, prefeita de Campos. Mas crescentemente perdeu a dimensão política nacional (em nova tentativa de ser governador, em 2014, ficou fora do segundo turno) e voltou-se para a província, de cuja política participa com paixão.

Atualmente é secretário do Governo da cidade, mas não conseguiu eleger um sucessor do seu grupo em outubro. Seu candidato a prefeito, Dr. Chicão (PR), vice de Rosinha, foi derrotado por Rafael Diniz (PPS).

 

Presídio

A Polícia Federal planeja levar o ex-governador do Rio Anthony Garotinho (PR) para o presídio José FredericoMarques, no complexo de Bangu, assim que ele receber alta médica.

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Em Campos, protesto na sede da PF

Por: Camilla Silva

 

Após a prisão de Anthony Garotinho no Rio na manhã de ontem, centenas de pessoas se dirigiram à porta da sede da Polícia Federal em Campos de Goytacazes, onde o ex-governador exerce o cargo de secretário de Governo. Durante o dia, havia a expectativa de que ele fosse levado para o local, o que acabou não ocorrendo. Sua mulher, Rosinha Garotinho, é prefeita na cidade, cargo que o ex-governador já exerceu por duas vezes. Várias pessoas em cargos comissionados na prefeitura foram convocadas para realizar ato pró-Garotinho em frente à delegacia.