Correio braziliense, n. 19520, 04/11/2016. Política, p. 2

PEC do foro especial sai da gaveta do Senado

Relatório sobre proposta que acaba com a prerrogativa de os políticos serem julgados em instâncias superiores entra na pauta da Comissão de Constituição e Justiça. Apresentado em 2013, o texto teve apoio inicial de 30 senadores

Por: Paulo de Tarso Lyra

 

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado deve apreciar, na próxima quarta-feira, uma proposta de emenda constitucional que extingue o foro privilegiado de todos os integrantes de cargos públicos, inclusive do presidente da República. Apresentada originalmente em 2012 e, novamente, em 2013, pelo senador Álvaro Dias (PV-PR), a proposta prevê que, em casos de crime comum, qualquer autoridade passará a ser processada, automaticamente, pelo juiz de primeira instância. A única exceção será o chefe do Executivo Federal, que deverá ter o encaminhamento do processo aprovado preliminarmente pela Câmara dos Deputados.

O relatório é relatado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Na época em que o texto foi apresentado pela primeira vez, contou com o apoio de diversos senadores, como o atual líder do governo, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP); do presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG); dos governadores do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg e de Mato Grosso, Pedro Taques; e da senadora Ana Amélia (PP-RS).

“O foro privilegiado tornou-se algo anacrônico no Brasil”, resume Randolfe, lembrando que, originalmente, o instituto foi criado para preservar políticos em casos de voto, palavras ou opiniões. “Mas ele acabou sendo deturpado e transformou-se em um instrumento de protelação judicial e obstrução de justiça”, observa o senador do Amapá. O assunto voltou à tona, motivando a série de reportagens do Correio, após a deflagração da Operação Métis, na qual a Polícia Federal prendeu quatro policiais legislativos do Senado acusados de atrapalhar as investigações da Lava-Jato.

O texto extingue o foro de: presidentes da República; governadores; prefeitos; senadores; deputados federais; estaduais/distritais; vereadores; ministros; juízes; promotores; procuradores; conselheiros dos Tribunais de Contas, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). “Eu acredito que, hoje, há um ambiente melhor para que a proposta caminhe, especialmente por conta da pressão popular sobre o Congresso”, aposta Randolfe.

Ainda assim, a PEC está parada há praticamente três anos. O relator anterior era o senador Roberto Rocha (PSB-MA), mas ele resolveu abdicar da relatoria por questões de saúde. “Eu solicitei, então, ao presidente da CCJ, senador José Maranhão (PMDB-MA), que a PEC fosse disponibilizada novamente e acabei assumindo a relatoria. Vou disponibilizar amanhã (hoje) o texto na Comissão, na minha página no Senado e nas redes sociais. Além disso, começarei a procurar os senadores para articular a aprovação”, diz Randolfe.

O senador do Amapá pretende ler o relatório na próxima quarta-feira, na CCJ e, se tudo der certo, votar o texto na outra semana, no dia 16 de novembro. “O Congresso precisa entender que o fim do foro é bom para a democracia, pois torna a justiça mais célere”, defende Randolfe. Ele reconhece que, com a transferência dos julgamentos para a primeira instância, pode haver uma pressão maior dos políticos sobre os juízes locais. O exemplo de Sérgio Moro, em Curitiba, ainda é um ponto fora da curva, em um sistema ainda muito suscetível à pressões externas. “Mas também podemos ver pelo outro lado: pode haver uma pressão maior da sociedade sobre a classe política”, relativiza o parlamentar da Rede.

Autor original da PEC, o senador Álvaro Dias (PV-PR) acha que, lentamente, a sociedade começa a acordar para essa questão. Ele torce para que a pressão popular sobre o Congresso ajude na tramitação da proposta. Mas não se ilude com a possibilidade de sucessivas práticas protelatórias que possam atrasar a tramitação da PEC. “O prazo para apresentação de emendas na CCJ já se extinguiu. Isso só poderá ser feito, agora, quando o texto estiver no plenário do Senado. Se isso acontecer, o texto retorna novamente à Comissão”, explica Álvaro.

O senador paranaense lembra que a primeira versão da PEC foi apresentada em 2012 e depois, novamente em 2013. Nem mesmo as manifestações de junho daquele ano, que lotaram as ruas com jovens pedindo mais transparência na política, foram suficientes para fazer com o que fim do foro andasse no Congresso. “Randolfe brincou comigo afirmando que acatou meu texto na íntegra para obrigar aqueles contrários ao fim do foro a colocarem a cabeça de fora para apanhar da sociedade”, brinca Álvaro.

Caso seja aprovada na CCJ, a PEC ainda precisa ser votada em dois turnos, no plenário do Senado, com quórum qualificado, de 3/5. Se forem apresentadas emendas no plenário, o texto volta à CCJ. Após isso, o texto seguirá para a Câmara. “É possível aprovar tudo no Senado este ano? Dependerá de vontade política”, alertou Álvaro.

 

Frase

“O foro privilegiado acabou sendo deturpado e transformou-se em um instrumento de protelação judicial e obstrução de justiça”,

Randolfe Rodrigues (Rede-AP), senador