'Rezo para que o plenário da Câmara não faça bobagem'

Evandro Éboli

25/11/2016

 

 

-BRASÍLIA- Onyx Lorenzoni checava ontem, em seu gabinete, a temperatura em suas redes sociais. Disse estar preocupado com o destino de seu texto, aprovado na comissão especial. Entre os relatos que fez sobre pressão de colegas citados em escândalos, ouviu desde “escudeiro do Sérgio Moro” até “santo protetor do Deltan (Dallagnol)”. A seguir, os principais trechos da entrevista, ontem, ao GLOBO.

 

Diante da resistência de vários deputados, o sr. receia que o texto seja desfigurado?

Tenho medo de que seja desfigurado. Não por causa do longo trabalho perdido, mas pela frustração que causaria na população. Depois, a mensagem errada que seria transmitida a uma sociedade tão flagelada pela corrupção e que vê nessas medidas a construção para um país mais justo. Sou de muita fé, e rezo para que o plenário da Câmara não faça bobagem. O plenário sabe que temos uma responsabilidade.

 

O sr. foi vaiado no plenário por colegas quando defendia seu texto.

Toda vez que se tenta chamar as pessoas à razão e mobilizar com base em argumentos racionais, muita gente aqui acha que não depende de ninguém, de dar satisfação, que vai ter eleitor de qualquer jeito. Com esse pacote, não vai dar mais para comprar eleitor e fazer caixa dois sem correr o altíssimo risco de ir para a cadeia. Muitas brechas serão fechadas. O crime de enriquecimento ilícito, que é estipulado pela ONU e pela OEA. E aí?! Olha, sou parlamentar há 21 anos, e meu patrimônio minguou.

 

Ficou chateado com as vaias?

Não! Tenho 21 anos de Parlamento. Tô vacinado contra a má educação, a grosseria, a falta de bom senso.

 

O sr. falou que sofreu pressões insuportáveis de deputados citados em casos de corrupção.

Era meu dever conversar com todos. Conversei com vários líderes, em conversas que começaram em minha casa, passaram por aqui (gabinete) e foram concluídas na casa do presidente da Câmara (Rodrigo Maia). Construímos um razoável entendimento, que não desfigurava o texto. Queriam que eu tirasse o reportante do bem, o teste de integridade, o acordo penal. E disse que não. Passamos terça trabalhando e, na quarta, me chamaram na casa do presidente. Insistiram em novas retiradas que mudariam dramaticamente o texto. Aí endureci. Aceitei um ou dois pontos, e outros não cedi. E foi aquela briga.

 

O sr. era abordado por esses parlamentares?

Você sempre houve piadinha. No banheiro, cafezinho. Do tipo: “Aí, hein, virou santo protetor do Deltan (procurador que coordena a força-tarefa)”. “Aí, virou escudeiro do Sérgio Moro”. “Virou anjo protetor da PGR”. Essas coisas.

 

E essa proposta de flexibilizar crimes relacionados a doações ilegais?

Não consigo entender quem gestou essa tese. Não para de pé.

 

Falam de um certo pavor com a lista da Odebrecht, que vem aí.

Mas já teve lista da OAS, da Camargo Corrêa, da Queiroz Galvão, a lista tal. O que acho é que a da Odebrecht é mais preocupante porque eles tinham um Departamento de Operações Estruturadas, um eufemismo para tratar de compra de apoio. Acho que deviam ter conexões muito grandes e, provavelmente, tem grande número de pessoas envolvidas.

 

Se o sr. pudesse escolher uma das medidas, com qual ficaria?

Sem dúvida, com a do reportante do bem (cidadão que denuncia corrupção e recebe recompensa). Qualquer um pode ajudar nessa luta. Um auxiliar de enfermagem que vê coisas erradas. Uma servente de escola. Não estou falando da alta corrupção. E tem deputado dizendo que essa medida cria o mercado do dedo-duro. Ora, vai ser medíocre assim no caixa-prego.

 

 

O globo, n. 30426, 25/11/2016. País, p. 06.