Investigados na Lava-Jato votaram em peso contra medidas

Evandro Éboli

01/12/2016

 

 

Exclusão do ‘reportante do bem’ teve votos de 24 desses 28 deputados

 

-BRASÍLIA- O grupo de 28 deputados investigados no Supremo Tribunal Federal (STF) por suposto envolvimento na Lava-Jato votou em peso contra as medidas de combate à corrupção na madrugada de ontem no plenário da Câmara. Eles contribuíram para a derrota do relatório de Onyx Lorenzoni (DEMRS) nas 12 votações em separado de trechos do texto. A exclusão da figura do “reportante do bem” — que previa recompensa para quem denunciar casos de corrupção — contou com os votos de 24 desses parlamentares. Os outros quatro não votaram. Essa medida era a predileta do relator.

O quorum contra as ideias de Lorenzoni se manteve alto em outros pontoschave da proposta: 21 foram favoráveis à criminalização de juízes e promotores por abuso de autoridade; 21 ajudaram a excluir do texto a criminalização do enriquecimento ilícito; 22 se manifestaram contra o confisco de bens provenientes da corrupção; e 21 se opuseram ao fortalecimento do Ministério Público nos acordos de leniência.

O relator tornou-se um opositor desses parlamentares desde que apoiou propostas dos procuradores da LavaJato e, na palavra de um deles, “deu as costas” para os colegas no debate sobre o assunto. Eles argumentam que sofrem pressões e que estão no noticiário desde março do ano passado, quando o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu inquérito para investigá-los.

— Ele jogou para a torcida, ignorou o diálogo na Câmara e recebeu o troco devido ontem. E as restrições ao trabalho dele, como ficou demonstrado na votação, foram além dos que estão citados na Lava-Jato — disse um desses 28 deputados, que pediu anonimato.

Entre os investigados na Lava-Jato, porém, poucos se manifestaram publicamente na madrugada de ontem. O deputado Arthur Lira (PP-AL), que é investigado, foi, entre esses, o que demonstrou maior descontentamento com o comportamento de Onyx. Ele fez um discurso duro contra o relator e, num fato inusitado no plenário, exibiu a gravação de uma entrevista na qual o deputado do DEM declara ser favorável à investigação de juízes e promotores. Ele mudou de posição e excluiu esse item do seu parecer.

— Foi um engodo o que esse relator fez com esta Casa — declarou Lira.

Outro investigado, o líder do PP, Aguinaldo Ribeiro (PB), também ajudou a derrotar o texto do relator e orientou a votação contrária ao seu conteúdo. O PP é o partido com maior número de deputados investigados na Lava-Jato: 15.

Dos 28 deputados investigados na Lava-Jato, 17 votaram contra as quatro principais medidas derrotadas no plenário: a punição para magistrados e integrantes do Ministério Público; a criminalização do enriquecimento ilícito; o confisco de bens provenientes da corrupção; e o fortalecimento dos procuradores nos acordos de leniência.

 

SALDO DO PACOTE DE COMBATE À CORRUPÇÃO
DAS DEZ MEDIDAS DO TEXTO-BASE, SALVARAM-SE APENAS DUAS
 

O QUE FOI RETIRADO DO PACOTE

ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DE FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS

Trecho retirado tornava crime o enriquecimento ilícito de funcionários públicos e previa o confisco dos bens relacionados ao crime

'REPORTANTE DO BEM'

Um dos itens mais caros ao relator que ficou de fora previa a criação da figura do "reportante do bem" para incentivar o cidadão a denunciar crimes de corrupção em qualquer órgão, público ou não. Como estímulo, o texto previa o pagamento de recompensa em dinheiro para quem fizesse isso

PRESCRIÇÃO DE PENAS

Também foram derrubadas as mudanças para dificultar a prescrição de penas (quando o processo não pode seguir adiante porque a Justiça não conseguiu conclui-lo em tempo hábil)

'CONFISCO ALARGADO'

Com o objetivo de recuperar o lucro do crime, o texto previa o chamado "confisco alargado", em casos como o de crime organizado e corrupção. O objetivo era impedir que o criminoso não tivesse acesso ao produto do crime, para que não continuasse a delinquir e também para que não usufruísse o produto do crime

ACORDOS ENTRE DEFESA E ACUSAÇÃO

Outro ponto que não passou foi o que permitia a realização de acordos entre defesa e acusação no caso de crimes menos graves, com uma definição de pena a ser homologada pela Justiça. O objetivo era tentar simplificar os processos

RESPONSABILIZAÇÃO DE PARTIDOS

O plenário rejeitou pontos do relatório que previam a responsabilização dos partidos políticos e a suspensão do registro da legenda por crime grave

 

O QUE PERMANECEU

VENDER VOTO

O eleitor que negociar seu voto ou propor a negociação com candidato ou seu representante em troca de dinheiro ou outra vantagem será sujeito a pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa

CRIME HEDIONDO

Vários crimes serão enquadrados como hediondos se a vantagem do criminoso ou o prejuízo para a administração pública for igual ou superior a 10 mil salários mínimos vigentes à época do fato. Incluem-se nesse caso peculato, inserção de dados falsos em sistemas de informações, a concussão, corrupção passiva e ativa e a corrupção ativa em transação comercial internacional

APESAR DE APROVADO O TEXTO FOI MODIFICADO, VEJA COMO ERA:

Aumentava a pena do estelionato (hoje de 1 a 5 anos de cadeia) para 2 a 8 anos. Seriam considerados hediondos quando a vantagem ou prejuízo para a administração pública fosse igual ou superior a cem salários mínimos vigentes à época do fato

PROPOSTA SOBRE ABUSO DE AUTORIDADE INCLUÍDA APÓS EMENDAS AO PROJETO

A) Juízes e promotores

Responsabilização de magistrados e de membros do Ministério Público por atuação com motivação político-partidária

B) Divulgação de opinião

Proferir julgamento quando, por lei, deva se considerar impedido; e expressar por meios de comunicação opinião sobre processo em julgamento. Pena de reclusão de seis meses a dois anos e multa

C) Ministério Público

Instauração de procedimento “sem indícios mínimos da prática de algum delito” e a manifestação de opinião sobre processo pendente de atuação do Ministério Público. Mesma pena do caso de juízes e promotores

D) Acusação temerária

Prevê como crime a proposição de ação contra agente público ou terceiro beneficiário com ato classificado como “temerário”. A pena de detenção, que hoje é de seis a dez meses será aumentada para seis meses a dois anos

E) Ação civil pública

Nas ações civis públicas “propostas temerariamente por comprovada má-fé, com finalidade de promoção pessoal ou por perseguição política”, a associação autora da ação ou o membro do MP será condenado ao pagamento de custas, emolumentos, despesas processuais, honorários periciais e advocatícios

 

 

O globo, n. 30432, 01/12/2016. País, p. 09.