O erro do Congresso

Míriam Leitão

01/12/2016

 

 

Congresso afronta o país ao desfigurar um projeto popular. A crise escalou nas últimas horas. A Câmara aprovou medidas que ameaçam procuradores e juízes no meio da madrugada e ontem, em torno das 19h, o presidente do Senado, Renan Calheiros, comandava uma manobra vergonhosa para aprovar urgência e votar o projeto ontem mesmo na Casa, sem cumprir as mais mínimas etapas do processo legislativo.

Felizmente, a urgência foi rejeitada por 44 senadores contra 14, mas por alguns longos minutos o presidente do Senado, ensandecido, comandou um processo completamente sem sentido, tentando aprovar por voto simbólico algo dessa gravidade. Não houve sequer o cumprimento da praxe do encaminhamento a favor da urgência. Dois senadores falaram contra, outros dois teriam que falar a favor. Mas ninguém quis assumir que fazia parte de manobra tão vergonhosa. Foi sob gritos do plenário que Renan aceitou pôr em votação no painel, e assim, com a ajuda da transparência do voto nominal, a manobra foi afastada.

Com o painel indicando os nomes, foi possível saber quem defendia aquela votação apressada da medida que havia sido aprovada às quatro da manhã na Câmara. Foram os senadores Roberto Requião (PMDB-PR), Pastor Valadares (PDT-RO), Valdir Raupp (PMDB-RO), Vicentinho Alves (PR-TO), Zezé Perrella (PTB-MG), Benedito de Lira (PP-AL), Ciro Nogueira (PP-PI), Fernando Bezerra Coelho (PSBPE), Fernando Collor (PTC-AL), Hélio José (PMDBDF), Humberto Costa (PT-PE), Ivo Cassol (PP-RO), João Alberto Souza (PMDB-MA), Lindbergh Farias (PT-RJ). Seriam muito mais se eles estivessem recobertos pelo manto da votação simbólica.

É uma afronta a cada pessoa que assinou a proposta de iniciativa popular de combate à corrupção o que aconteceu no Congresso nas últimas horas com a Câmara, aprovando medidas que ameaçam procuradores e juízes. A presidente do Supremo, Carmen Lúcia, condenou o texto que saiu da madrugada da Câmara e os procuradores da LavaJato ameaçaram deixar em bloco a operação caso isso vire lei. A Câmara não tinha o direito de pegar uma proposta popular e virá-la do avesso. O Congresso não tem o poder de impor ao país a agenda oposta ao que a população escolheu. Aqui se quer combater a corrupção e não ameaçar juízes e procuradores com dispositivos legais com termos subjetivos.

Era para condenar corruptos que brasileiros se mobilizaram para colher as assinaturas. Foram para ruas e praças do Brasil convencendo umas às outras a assinar o que o Ministério Público chamou de as 10 medidas de combate à corrupção. Seis foram derrubadas, outras foram enfraquecidas, e o conjunto totalmente desvirtuado com artigos que constrangem a magistratura e o Ministério Público.

O dia ontem foi duro também na economia, que ficou de frente com mais um dado negativo: o sétimo trimestre em que o PIB encolhe. É um tempo difícil. Nele, a atividade cai e os empregos somem. As empresas e as famílias precisam de um mínimo de horizonte e não o têm. Os números falam por si, com queda em todos os setores, sob todas as formas de comparação feitas pelo IBGE. A taxa de investimento caiu a 16,5%, o menor percentual desde 2003.

A inflação continua acima do teto da meta e a eleição de Donald Trump elevou novamente o dólar. Por isso, o Banco Central reduziu a Selic ontem em apenas 0,25%. Essa queda mais lenta está levando à redução das projeções para o PIB do ano que vem.

Por trás dos números, há pessoas vivendo dramas pessoais cada vez mais agudos e uma vasta desesperança. A tudo isso se juntam as manifestações antitemer, como o panelaço de ontem e o protesto na Esplanada na terça-feira. Milhares foram para a Praça dos Três Poderes para gritar contra a PEC que tenta controlar os gastos, mas o ato acabou degenerando em violência com depredações de lugares públicos. Mas o que poderá ampliar protestos localizados é o ambiente econômico que permanece em recessão.

Um ingrediente que pode elevar ainda mais a tensão no país é a indignação contra as decisões e a atitude do Congresso. O Legislativo tem o poder, que lhe foi delegado pelo povo brasileiro, de votar as leis. Mas não para uma legislação exatamente contrária ao que o país quer. Que senadores e deputados não se enganem: aqui se quer combater a corrupção.

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O globo, n. 30432, 01/12/2016. Economia, p. 32.