Supremo torna Renan réu pela primeira vez

Carolina Brígido e Manoe Ventura

02/12/2016

 

 

-BRASÍLIA- O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu ontem ação penal para investigar o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), por peculato — desviar bem público em proveito particular. A decisão foi tomada por oito votos a três e acrescenta mais lenha nas brigas de Renan com o Judiciário. Um dia antes do julgamento, Renan tentou votar em caráter de urgência o projeto de lei que prevê punição a juízes e membros do Ministério Público por abuso de autoridade. Mas a proposta foi derrotada. É a primeira vez que um presidente do Senado brasileiro se torna réu no exercício do cargo.

Mesmo sendo réu, Renan deve permanecer na linha sucessória da Presidência da República. Na ausência de Michel Temer, assumem o cargo os presidentes da Câmara, do Senado e do STF, nessa ordem, prevê a Constituição. O STF começou a julgar mês passado pedido para que réus sejam impedidos de permanecer em cargo que conste da linha sucessória. Um pedido de vista do ministro Dias Toffoli interrompeu o julgamento. O caso não deve voltar ao plenário antes de fevereiro, quando Renan não mais presidirá o Senado.

O Código Penal fixa pena de dois a 12 anos de prisão para condenados por peculato, mas a tendência é que Renan não passe um dia sequer na cadeia. É grande a probabilidade de haver prescrição da pena quando o processo for concluído. Nesse caso, mesmo se condenado, ele não poderia ser punido.

Essa situação é fruto da lentidão com a qual foi conduzido o processo. Os crimes teriam ocorrido a partir de 2004. O caso chegou ao STF em 2007. E só agora a denúncia, apresentada pela Procuradoria-Geral da República há quase quatro anos, foi recebida.

O processo apura se a empreiteira Mendes Junior pagou pensão alimentícia à jornalista Mônica Veloso, com quem Renan tem uma filha. O caso eclodiu em 2007 e, na época, fez Renan renunciar à presidência do Senado.

As investigações revelaram que o senador não tinha dinheiro suficiente para pagar a pensão. Ele teria apresentado documentos falsos para comprovar que tinha condições de arcar com a despesa. Renan ainda responde a outros 11 inquéritos no STF, sendo oito decorrentes da Operação Lava-Jato.

Dos três crimes pelos quais Renan foi denunciado, os ministros ontem foram unânimes na decisão de arquivar um deles por prescrição. Não há mais como punir o parlamentar por falsidade ideológica de documento particular, porque já se passaram muitos anos dos fatos. Em relação ao crime de falsidade ideológica de documento público, o STF declarou, por oito votos a três, que a denúncia não explicou qual documento tinha sido fraudado. Portanto, não há motivo mínimo para prosseguir com a investigação.

Restou apenas o crime de peculato. Em 2005, Renan teria simulado um empréstimo com a locadora de carros Costa Dourada. Segundo a denúncia, o dinheiro extra na conta bancária serviria para comprovar que ele tinha renda suficiente para pagar do próprio bolso a pensão à filha.

Além disso, Renan teria usado mais da metade da verba indenizatória do Senado, de R$ 12 mil por mês à época, para pagar a mesma empresa. Teriam sido sete pagamentos de R$ 6,4 mil.

Segundo a denúncia, o contrato também era fictício, porque não ficou comprovado o fornecimento dos carros. Os repasses à locadora teriam sido realizados entre janeiro e julho de 2005.

— O Estado é a instituição responsável pela imputação e com o quadro fático, pelo menos em tese, não se pode abster de aceitar a denúncia — disse a presidente do STF, Cármen Lúcia.

 

RENAN DIZ ESTAR TRANQUILO

Além da presidente, votaram pela abertura da ação penal por peculato os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Rosa Weber, Marco Aurélio e Celso de Mello. Os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes queriam arquivar o inquérito. Alegaram que a denúncia era genérica ao descrever os crimes supostamente cometidos por Renan. Apesar de ter acompanhado o voto do relator, Teori criticou a denúncia do Ministério Público.

— A denúncia realmente não é um modelo de denúncia, muito antes pelo contrário. Confesso que fiquei com muitas dúvidas em relação ao peculato. Vou acompanhar o relator, mas não posso deixar de reconhecer que os indícios são precários, eles estão no limite — afirmou Teori.

Ao rejeitar todas as acusações, Gilmar afirmou que denúncias, quando mal formuladas, produzem absurdos.

— Devemos ser muito criteriosos e severos com denúncias, porque elas produzem absurdos. Temos que rezar sempre, para o espírito santo do Direito, para que não cometamos injustiças. E devemos continuar a rezar para que não caiamos no ridículo — disse Gilmar.

Em nota divulgada ao fim do julgamento, Renan declarou que “recebeu com tranquilidade a decisão do STF e permanece confiante na Justiça”. Lembrou que a aceitação da denúncia não significa condenação. O senador enfatizou que não há provas contra ele, apenas suposições.

 

 

O globo, n. 30433, 02/12/2016. País, p. 04.