Correio braziliense, n. 19524, 08/11/2016. Cidades, p.19

 

 

Racionamento ainda sem plano detalhado

Adriana Bernardes e Isa Stacciarini

 

 

CRISE HÍDRICA » Apesar de o governo ter sinalizado ontem sobre a necessidade de interromper o fornecimento regular para, pelo menos, 85% da população do DF, ainda há muitas dúvidas de como isso ocorrerá. A princípio, o brasiliense ficará 24 horas sem água - prazo que poderá ser ampliado. 

Cerca de 85% da população do Distrito Federal será diretamente afetada pelo racionamento de água assim que o nível do reservatório Descoberto atingir 20% ou menos — ontem, o índice chegou a 20,68%. No total, 25 das 31 regiões administrativas serão atingidas pelos cortes no fornecimento por 24 horas. Se a crise hídrica se agravar ainda mais, o período de desabastecimento pode ser ampliado. Apesar de o governo ter sinalizado oficialmente para a necessidade da economia forçada de água, a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) não detalhou o plano e, por isso, ainda há algumas perguntas sem respostas. Entre elas, quais regiões administrativas serão afetadas primeiro e quanto tempo será necessário para o abastecimento voltar ao normal, uma vez que o sistema será ligado aos poucos para evitar o rompimento da rede.

O presidente da Caesb, Maurício Luduvice, informou apenas que, caso seja necessário colocar o plano em prática, todas as cidades abastecidas pelo Rio Descoberto e pela Barragem de Santa Maria/Torto ficarão por períodos de até 24 horas sem água. Três fatores serão levados em consideração: o ritmo de queda dos reservatórios, as previsões de chuva e o nível de consumo de água pela população.

Na Resolução nº 20, publicada ontem no Diário Oficial do DF, a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do DF (Adasa) autoriza a Caesb a colocar em prática o plano de emergência para garantir que não falte água à população. Entre as medidas estão: reduzir a pressão na rede de abastecimento; promover o rodízio no corte de água; incentivar a redução de consumo e criar campanhas de estímulo à economia.

O plano de racionamento será avaliado semanalmente. E, quando houver, o corte será aprovado pela Adasa e avisado à população com um dia de antecedência. A Caesb deverá ter uma proposta de rodízio com as cidades definidas, por endereço, programação dos dias e horários, assim como a quantidade de pessoas afetadas. “Estariam isentas só as cidades abastecidas pelos pequenos mananciais, como Sobradinho I e II; Fercal; Planaltina; Brazlândia e São Sebastião. Neste momento, estamos estudando para fechar o plano de contingência”, pondera.

Segundo o presidente da Caesb, a maior crise hídrica da história do DF se deve a uma junção de fatores: a seca atípica, o aumento da população, o uso desordenado do solo e os atrasos nos investimentos. “Retomamos a barragem de Corumbá IV no ano passado e já investimos R$ 61 milhões, desde março de 2015 até agora, além do próprio Bananal. Infelizmente, as obras de infraestrutura no Brasil demoram muito a acontecer.”

De acordo com o diretor-presidente da Adasa, Paulo Salles, não ficarão sem água hospitais, hemocentros, centro de diálise e estabelecimentos de internação coletiva (presídios). Já as escolas terão de se preparar para manter o abastecimento nos dias de corte. “Com o racionamento, queremos reduzir em 15% o uso da água. Isso representará um volume de 1,5 milhão de metros cúbicos de água, suficientes para abastecer 460 mil pessoas por cerca de um mês. Esperamos que isso seja suficiente e, se precisarmos de racionamento, que seja por um curto período de tempo”, declarou Salles.

Economia

A recomendação da Adasa é para que as pessoas mantenham a caixa d’água cheia durante o racionamento. Uma residência com cinco pessoas necessitará de uma unidade com capacidade para 500 litros, caso o consumo gire em torno de 110 litros/dia. Mas, no DF, o gasto médio é de 180 litros/dia. A Adasa e Caesb não souberam informar quantos domicílios não têm caixa d’água.

Geralda Aparecida Pereira Mariz, 55 anos, é uma das moradoras preocupadas com o consumo descontrolado. Síndica de um prédio  na 408 Norte, ela diz que as atitudes para a redução do consumo começaram em 2009, quando os 12 apartamentos tiveram a água individualizada. “Conversei com alguns moradores para conscientizar a todos.” Entre as mudanças de comportamento está a limpeza da área comum. Em vez de lavar as escadas e o pátio, o zelador passa apenas o pano, mesmo com o prédio em reforma.

Para quem mora em casa, as medidas são diferentes. Preocupado em encontrar outras formas de economizar, o microempresário Marcelo Carvalho Marques, morador de Águas Claras, considera que as medidas anunciadas pelo governo são drásticas, mas necessárias. Mesmo morando sozinho e pagando a taxa mínima, Marcelo tenta economizar, lavando poucas vezes o carro e enviando as roupas para uma lavanderia. Para ele, o risco de racionamento é uma oportunidade para a conscientização geral. “Infelizmente, o brasileiro está acostumado a esbanjar”, critica. 

Planejamento

Advogado especialista em direito urbano, Mateus Oliveira avaliou que seriam necessárias ações de curto, médio e longo prazos para evitar a crise hídrica que se instalou no DF. Entre as de longo prazo estariam o redimensionamento da infraestrutura. “Caberia ao governo não só ter planejado, mas agido de forma mais eficiente para assegurar recursos. Para a construção da barragem de Corumbá IV, por exemplo, não haveria, do ponto de vista prático, disponibilidade de recursos suficientes para uma efetiva implantação na velocidade e no prazo desejados”, ressaltou.

Outra medida de longo prazo que, na visão de Oliveira, deveria ter sido melhor executada, seria coibir as ocupações irregulares no DF. “Ao longo do tempo, historicamente, o governo pecou no sentido de impedir a ocupação desordenada do solo, inclusive em áreas de grande sensibilidade ambiental e com alto impacto nos mananciais.”

Segundo o especialista, uma ação de curto prazo é o projeto de lei de permeabilidade, de autoria do poder Executivo, cuja minuta deve ser disponibilizada ainda neste mês. “Esse projeto vai ao encontro de medidas possíveis para atenuar a crise hídrica, porque vai obrigar empreendimentos imobiliários de grande porte a construírem sistemas de captação da água da chuva e sistema de infiltração mecânica, que vão atenuar a situação das enchentes para melhorar a recarga dos aquíferos”, explicou. 

Colaborou: Priscilla Rodrigues 

Perguntas sem respostas

Veja algumas dúvidas que sobre o esquema de racionamento ainda não foram respondidas pela Caesb

» O racionamento vai começar por quais regiões administrativas?

» Quais critérios serão usados para essa escolha? O volume de consumo de água? O poder aquisitivo dos moradores? As cidades com mais caixas d´água (para garantir o consumo nas 24 horas de desabastecimento)?

» Quantas regiões administrativas serão atingidas ao mesmo tempo?

» Quanto tempo será necessário para normalizar o abastecimento após a interrupção no fornecimento?

» Quantas habitações no DF não têm caixa d’água? O governo tem um plano para que essas pessoas não fiquem completamente sem água no período de corte?