Correio braziliense, n. 19526, 10/11/2016. Opinião, p.11

 

Orçamento público no Brasil

Cyro Rodrigues de Oliveira Dornelas

 

 

Ninguém mais questiona. Afinal de contas, para que se desgastar? Muitos constatam que é tema de menor relevância. Notícias e matérias que outrora ocupavam a primeira capa nos jornais cedem espaço para textos cada vez mais discretos. Discrição essa que evolui para trechos de parágrafos ou frases de matérias relacionadas. Assim tem sido, na minha visão enquanto cidadão, a análise e discussão públicas sobre o processo legislativo orçamentário brasileiro. Exemplo clássico, acontecendo mais uma vez debaixo dos nossos olhos, é o encerramento do primeiro período legislativo sem a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias Federal. Até o momento, essa importante lei não foi sancionada.

Podem ter contribuído para tal o momento político dos últimos meses e a eleição para a Presidência da Câmara dos Deputados. Pode até explicar, mas não é justificativa. Deixamos de pagar nossas contas ou verificar nosso orçamento mensal por causa de uma final do brasileirão? Ainda que isso venha a acontecer, o que é público não merece, muito menos pode, ter o mesmo tratamento. Nesse sentido, a letra constitucional mais explícita não poderia ser. A sessão legislativa, afirma o artigo 57, §2º da Suprema Lei, não será interrompida sem a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias. Mas já encontramos, tranquilamente, o nome para a omissão de nossas autoridades parlamentares: recesso branco. Poderia ser recesso café com leite?

Aqui entra em cena raciocínio tentador e simplista. A responsabilidade pela desconfiguração é da classe política, mandatários egoístas e movidos pelo poder. Sem excluir de nossos representantes o seu dever de cumprir nobre e solene papel e sem o intuito de esvaziar a discussão, modestamente sugiro outros culpados. Já indicados no primeiro parágrafo, sociedade civil e imprensa apenas reverberam o despreparo crítico e educacional de nossa população. Incapacidade essa que desmotiva e enfraquece o ímpeto de quem se desgasta por falar o que deve ser dito e publicado.

Os índices de inadimplência no Brasil são sintomas de uma macrodesatenção orçamentária. A propaganda com promoções nas quais a parcela cabe no bolso, não importa o valor total a ser pago, é irmã dos elevados custos empresariais destinados à execução judicial de devedores. Contratos não cumpridos e a relativa facilidade para que continuem não sendo refletem um contexto socioeconômico onde as pessoas não atentam para as consequências de decisões financeiras precipitadas ou irracionais. Infelizmente, educação financeira não é realidade dos cidadãos comuns. Se não é individual, será coletivo? Daí para a política local é tão fácil como um atalho. As eleições municipais não são, “nem de longe”, arena para a avaliação das decisões orçamentárias pretéritas, muito menos para as que se deseja para o futuro. Aqui mais um notório e sério normativo é “tranquilamente” ignorado, como a já mencionada (atrasada) votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Dita a Lei de Responsabilidade Fiscal que são “requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação” (art. 11), com o parágrafo único em seguida vedando “a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.” Importam-se os eleitores com o dever de a Prefeitura arrecadar o máximo de IPTU e ISS? A Câmara de Vereadores é cobrada por fiscalizar tal atividade? Receber para tal é o que ocorre. As grandes cidades, muitas também gravemente ineficientes nesse ponto, estão anos-luz à frente de 90% dos municípios brasileiros.

Mais fácil (e cara) é a contínua dependência das transferências obrigatórias dos Estados e da União. Mais cômodo transferir a responsabilidade para o governador ou presidente, deputado estadual ou federal ou senador. Decisões necessárias são difíceis ou impopulares? O preço da procrastinação com a elaboração, discussão e análise do orçamento público no Brasil, nos milhares de entes federativos, continua a crescer e não desaparecerá com uma “contabilidade criativa”.

A realidade orçamentária do setor público brasileiro precisa ser entendível, compreendida, debatida e analisada, nas escolas e nas empresas, com os amigos e na família. Paixões partidárias à parte, os números e o cronograma legislativo têm lógica que, se seguida, produz consequências a todos benéficas.

(...) 

» CYRO RODRIGUES DE OLIVEIRA DORNELAS

Bacharel em economia (PUC-GO), auditor federal de Finanças e Controle no Poder Executivo Federal.