Correio braziliense, n. 19527, 11/11/2016. Política, p.2

 

O contra-ataque da Classe política

Paulo de Tarso Lyra


 

CRISE NA REPÚBLICA » Deputados e senadores aceleram a tramitação de projetos que podem frear os possíveis desdobramentos da Lava-Jato em congressistas. Entre as medidas analisadas, estão penas mais brandas para o caixa dois e novas regras para acordos de leniência.

Às vésperas da divulgação do acordo de delação premiada da Odebrecht, que promete causar uma avalanche no meio político brasileiro, o Congresso arma um contra-ataque para brecar possíveis efeitos da Lava-Jato a deputados e senadores. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), quer desengavetar o projeto de abuso de autoridade e criticou o alto salário dos magistrados. Na Câmara, parlamentares pretendem propor penas brandas para o caixa dois, diferenciando-o das doações ilegais derivadas da propina. “O Congresso está sofrendo os efeitos da TPD — tensão pré-delação — e tenta, a todo custo, salvar a própria pele”, admitiu um parlamentar do alto escalão

Como se tudo isso não fosse suficiente, ainda há um outro projeto, em tramitação na Câmara, que estabelece novas regras para acordos de leniência. O que se desenha como proposta é que essa medida seja negociada pelas empresas envolvidas em irregularidades e o Poder Executivo, sem a presença do Ministério Público Federal nem do Tribunal de Contas da União (TCU). Além disso, o relatório do deputado André Moura (PSC-SE) propõe acordos de leniência também para pessoas físicas, o que desestimularia as delações premiadas.

Ontem, os presidentes da duas Casas se manifestaram sobre o assunto. Renan instalou uma comissão para analisar salários que ultrapassam o teto constitucional, fazendo referência direta aos juízes. O presidente do Senado ensaia a retomada do projeto que altera a lei de abuso de autoridade desde meados de julho. Agora, ele quer trazer o projeto de volta à tona, com debates com a participação de figuras centrais da Operação Lava-Jato, como o procurador Deltan Dallagnol e o juiz Sérgio Moro, pessoas que já se posicionaram contrariamente à proposta. “Não acredito que o juiz Sérgio Moro ou Dallagnol defendam o abuso de autoridade. É importante que eles venham para fazermos o debate”, afirmou o peemedebista.

O presidente do Senado também instalou a comissão que vai investigar salários acima do teto constitucional. Os senadores terão 20 dias para avaliar casos de servidores que recebem mais do que o previsto na Constituição e trazer uma solução, como um projeto de lei que impeça o acúmulo de salários e benefícios. A comissão será presidida pelo senador Otto Alencar (PSD-BA), enquanto o vice-presidente será Antonio Anastasia (PSDB-MG). A relatoria caberá à senadora Kátia Abreu (PMDB-TO). Além do levantamento sobre salários acima do teto, a comissão também deve apresentar um projeto para desvincular o subsídio de ministros de tribunais superiores do restante da administração pública. 

Diferenciação

Já Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi enfático em relação às duas propostas que tramitam na Câmara: pacote anticorrupção e leniência. Ele negou qualquer manobra para votar, em plenário, o pacote anticorrupção, antes que a matéria fosse apreciada pela comissão especial. “Não terá urgência para que a matéria seja votada antes”, afirmou Maia. Para o líder da Rede, Alessandro Molon (RJ), a articulação teria o objetivo de aprovar o pacote antes da divulgação da delação premiada da construtora Odebrecht, que deve citar muitos políticos. “Não posso cuidar dos sonhos dos deputados. Porque eu sempre disse que a gente vai votar primeiro na comissão antes de votar no plenário”, ironizou Maia.

Segundo apurou o Correio, as negociações que estão sendo feitas propõem uma diferenciação entre o caixa dois propriamente dito e aquele derivado de propina. De acordo com uma liderança partidária, existem empresas que querem doar para campanhas políticas, mas não desejam que essas doações apareçam. Isso seria o caixa dois clássico. A outra situação seria a comprovação de que essa doação foi baseada em propina ou pressão para a manutenção de contratos com o poder público. A justificativa apresentada pelos defensores da proposta é que não se pode punir com o mesmo rigor crimes de intensidades diferentes.

Maia também respondeu às críticas feitas pela força-tarefa de Curitiba às propostas de mudança nos acordos de leniência. “Eles, de forma democrática, podem fazer a crítica onde eles quiserem, no tempo que quiserem. Mas somos nós que estamos aqui, eleitos pela população, para votar as matérias”, afirmou Maia.

Ele disse não poder comentar as críticas ao parecer do relator do projeto, deputado André Moura (PSC-SE), líder do governo na Casa, porque não as leu. No parecer, o deputado do PSC estende os acordos de leniência para pessoas físicas, como diretores, acabando com a punibilidade deles, o que pode desestimular delações premiadas. Para a Lava-Jato, o projeto faz parte de uma ofensiva para “enterrar as investigações” da operação. 

Barricada contra o terremoto 

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» Projeto que coíbe abuso de autoridade

Estabelece novos parâmetros para a atuação de autoridades públicas, prevendo condutas e crimes para quem cometer crime de abuso de autoridade 

» Anistia ao caixa dois

Deputados podem querer ressuscitar, na votação das 10 medidas de combate à corrupção, a emenda que anistia os políticos acusados de praticar caixa dois em campanhas eleitorais 

» Redução da multa

Relator das medidas de combate à corrupção, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) propôs a redução da multa para o crime de caixa dois. A proposta inicial era que ela fosse de 10% a 40% do fundo partidário repassado às legendas. Onyx quer reduzir de 5% a 30%. 

» Acordos de leniência

Projeto define que acordos de leniência podem ser firmados apenas entre as empresas e o governo, sem a participação do Ministério Público ou do Tribunal de Contas da União (TCU).