Moro ouve críticas de senadores e cita 'emendas da meia noite'

Cristiane Jungblut e Evandro Éboli

02/12/2016

 

 

Em meio a investigados na Lava-Jato, juiz é alvo de farpas, e adverte que momento é inadequado para projeto de abuso de autoridade

 

-BRASÍLIA- Condutor da Lava-Jato e visto pela classe política como seu maior algoz, o juiz Sérgio Moro esteve ontem no plenário do Senado e, ao longo de quatro horas de debate, dividiu-se entre o papel de pedra e de vidraça. Convidado a discutir o projeto de lei sobre abuso de autoridades, Moro falou para uma plateia com vários investigados na Lava-Jato, como o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a quem cumprimentou de forma protocolar, e foi acusado reiteradas vezes de conduzir erroneamente os processos do caso. Mas, ao mesmo tempo, foi aplaudido e tietado por servidores e recebeu pedidos de selfies até de deputados que contribuíram para desfigurar o pacote anticorrupção.

Moro teve embates com o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, recebeu farpas de Renan, mas foi o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) que protagonizou o confronto mais direto com ele.

— Tem abuso de autoridade no Judiciário também. No caso do Lula, o que fizeram? Um grande espetáculo. Está na cara que tratam as organizações de esquerda e o PT de forma diferenciada. Rui Barbosa dizia: a pior ditadura é a do Judiciário, porque contra ela não há a quem recorrer — disse Lindbergh. Moro pediu direito de resposta. — Fica claro aqui que se está afirmando que eu, na condução do caso, cometi abuso de autoridade e devo ser punido. Parece-me claro que a intenção que subjaz é de que o projeto de Lei de Abuso de Autoridade seja utilizado especificamente para criminalizar condutas de autoridades envolvidas na Operação Lava-Jato. Para mim, ficou evidente, com o discurso do eminente senador, que o propósito é exatamente esse — disse Moro, ressaltando: — É essa a intenção do projeto ou não é?

— Vossa Excelência é uma autoridade que não está acima da lei, assim como nós — rebateu Lindbergh.

— Nunca tive a pretensão de estar acima da lei. Mas a lei tem suas próprias pernas, quem sabe o que será feito com ela — replicou Moro.

Diante de críticas, Moro ficava vermelho, mas sereno, anotando tudo e mexendo em papéis. Quanto ao texto do pacote anticorrupção. Moro disse que esse não é momento de se votar o projeto, alertando que isso poderia “tolher” a independência da magistratura, do Ministério Público, dos agentes policiais e até da Lava-Jato.

— Talvez não seja o melhor momento, não apenas pela Lava-Jato. Uma nova lei poderia ser interpretada nesse momento como efeito prático de tolher ações, e o Senado pode passar uma mensagem errada. A lei pode ter o efeito prático de limitar a independência da magistratura, e isso seria terrível. Uma magistratura atemorizada não é uma magistratura livre para realizar o seu trabalho — disse Moro.

O juiz ainda condenou o pacote anticorrupção aprovado pela Câmara, alegando que ele também quer punir os magistrados, e chamou as mudanças feitas pelos deputados de “emendas da meia-noite”.

Moro enfrentou a oposição de Gilmar Mendes sobre as mudanças feitas pelos deputados e disse que o Congresso não poderia esperar o fim da Lava-Jato para tratar dos abusos de autoridade.

— Teríamos que buscar um ano sabático das operações para que o Congresso pudesse deliberar sobre um tema como este? Não faz sentido algum! — disse Gilmar, elogiando o texto do pacote anticorrupção aprovado pela Câmara.

Na mesma linha, Renan não perdeu oportunidades de alfinetar Moro, apesar de ter dito que a Lava-jato é “sagrada”. Em várias oportunidades, fez comentários criticando vazamento de dados, de gravações e as operações da PF no Senado.

 

 

O globo, n. 30433, 02/12/2016. País, p. 06.