Correio braziliense, n. 19518, 02/11/2016. Opinião, p.11

 

União Europeia e Brasil contra o zika

 

 

Para melhor e para pior, este nosso planeta está cada vez mais interligado. Com frequência, esta realidade dos nossos tempos é tremendamente libertadora e criadora de oportunidades. Mas pode também ser desequilibradora e raiz de problemas nunca antes conhecidos. O fenômeno da zika identificado na África em 1947, viajou para o Leste, completando um percurso de quatro quintos da circunferência do globo e se alastrando por mais de 40 países, sobretudo na América Latina durante o ano passado. De todos, o Brasil é o mais afetado.

Para a União Europeia, o fenômeno é um exemplo perfeito daquilo que chamamos de desafio global, porque sabemos que nenhuma parte do planeta, incluindo a nossa, será imune aos efeitos nefastos desse vírus. Surge então a questão: o que devemos fazer para responder ao problema? Dois elementos da resposta se tornaram, de imediato, evidentes. Primeiro, que precisávamos de mais e melhor ciência, pois sem certezas científicas não pode haver políticas públicas competentes. Segundo, que teria de haver cooperação internacional entre as instituições e os pesquisadores mais competentes e qualificados para que, juntos, desenvolvessem as respostas necessárias.

Foi com esses princípios em mente que a União Europeia disponibilizou 45 milhões de euros (cerca de R$ 160 milhões) para propostas de pesquisa que abordassem áreas de desconhecimento sobre o vírus zika, no enquadramento oferecido pelo ambicioso Programa de Pesquisa e Inovação da União Europeia denominado Horizonte 2020.

Três projetos foram beneficiários desse financiamento, com a participação de um total de 83 entidades europeias, da América Latina e do Caribe, das quais 12 são brasileiras, mas também outras, da África, da Ásia e dos Estados Unidos. Entre as instituições brasileiras mais conhecidas estão a Fundação Oswaldo Cruz, o Instituto Butantan e diversas universidades federais, oferecendo todas garantias de elevada qualidade. Os projetos abordam três temas essenciais na pesquisa sobre o zika.

A ZikaAlliance trata diretamente o impacto do vírus zika em seres humanos: a infecção durante a gravidez e efeitos a curto e médio prazos em recém-nascidos; história natural associada de infecção do vírus e seu meio ambiente; e construir a capacidade global para a pesquisa de resposta a futuras ameaças de epidemia na América Latina e Caribe.

A iniciativa ZikaPlan combina os pontos fortes de 25 parceiros na América Latina, América do Norte, África, Ásia, e vários centros na Europa para abordar as lacunas de pesquisas urgentes em zika, identificando soluções de curto e longo prazos e construir uma capacidade de preparo e resposta sustentável na América Latina. Estudos clínicos serão conduzidos para refinar ainda mais os espectros e fatores de risco e complicações neurológicas associadas. A iniciativa também vai investigar o papel da transmissão sexual.

Finalmente, o ZikaAction propõe a criação de uma rede de pesquisa multidisciplinar em toda a América Latina, com foco na saúde materna e infantil para coordenar e implementar pesquisas urgentes contra o surto do vírus e estabelecer as bases para uma rede de pesquisa pronta para enfrentar futuras ameaças infecciosas graves nestas populações vulneráveis.

Outras iniciativas de pesquisa financiadas pela União Europeia também visam abordar o desenvolvimento de uma vacina segura e eficaz contra a infecção e fazer uma pesquisa sobre doenças infecciosas transmitidas por insetos.

É neste contexto e neste espírito de parceria entre a União Europeia e o Brasil que, de 30 de novembro a 2 de dezembro, a Universidade de São Paulo vai acolher um grande workshop de pesquisa, juntando autoridades científicas e decisores públicos para discutir o estado atual do surto de zika e as necessidades de pesquisa, bem como as lições aprendidas no percurso até agora.

O vírus zika representa, por um lado, uma dimensão trágica da globalização e, por outro, um desafio importante não só para os países afetados mas para todos. Porém, para a União Europeia e para o Brasil, a resposta que estamos conjuntamente desenvolvendo é igualmente exemplo excelente da nossa disposição de utilizarmos a ciência, a cooperação e a solidariedade para a promoção de uma vida melhor para as nossas populações.

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» JOÃO GOMES CRAVINHO

Embaixador, chefe da Delegação da União Europeia no Brasil