Turbulência política

Juliana Garçon

02/12/2016

 

 

Investidores começam a temer pelo ajuste fiscal. Bolsa perde 3,88%, e dólar avança 2,42%

 

Sob o impacto do noticiário de Brasília — a aprovação, na Câmara, de um pacote anticorrupção desidratado e a expectativa com a assinatura de um acordo pela Odebrecht —, os mercados acionário e de câmbio do Brasil se descolaram do cenário internacional. O dólar comercial encerrou em alta de 2,42%, a R$ 3,469, enquanto a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) perdeu 3,88%, aos 59.506,53 pontos, tendo chegado a cair 4,63%. Das 58 ações do Ibovespa, apenas três fecharam em alta. Na máxima, a moeda americana atingiu R$ 3,48.

— O Brasil expõe novamente a corrosão das instituições e deixa os investidores assustados. Isso sem falar na (Operação) Zelotes. Os investidores avaliam que a crise em Brasília vai retardar as reformas fiscais — afirmou Rafael Bevilacqua, sócio da Eleven Financial.

 

‘O PAÍS PRECISA DE REFORMAS’

Alexandre Espirito Santo, economista da plataforma de investimentos Órama, concorda:

— A questão é política. O país precisa das reformas, e estas dependem do Congresso. Como a economia está numa anemia profunda, as coisas precisariam ter mais celeridade. Como, se houver uma nova rodada de estresse político?

Os investidores institucionais veem ameaças às medidas anticorrupção e à Operação Lava-Jato se acumulando em meio a um cenário de recessão e desemprego elevado, ressalta Alison Correia, analista da XP Investimentos. Para ele, a manobra do presidente do Senado, Renan Calheiros, de tentar votar em regime de urgência o pacote anticorrupção, acendeu a luz amarela para os investidores institucionais. Além disso, havia a perspectiva, confirmada no fim do dia, de que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerasse Renan réu por peculato.

— Todo mundo está se perguntando: será que o governo Temer é uma continuação do anterior? E tem a megadelação da Odebrecht para sair. Além disso, o dia começou com diligências da Operação Zelotes nos escritórios do maior banco privado do país — disse Correia.

Paulo Figueiredo, diretor de Operações da FN Capital, avalia ainda que, diante da percepção de que os riscos vêm aumentando, os estrangeiros começam a se afastar.

Com isso, o mercado brasileiro andou na contramão do internacional. O Dollar Index Spot, que compara a moeda americana a uma cesta de dez divisas globais, caía 0,46% no horário do fechamento das operações de câmbio no Brasil.

Outro fator que contribui para a valorização do dólar foi a combinação de queda lenta dos juros no Brasil com a perspectiva de elevação, ainda este mês, da taxa básica nos Estados Unidos, de acordo com Paulo Gomes, estrategista da Azimut Wealth Management. Considerados os investimentos mais seguros do mundo, os Treasuries (títulos de dívida do governo nos EUA) de dez anos estão com rendimentos em alta: passaram de 2,38% na quarta-feira para 2,468% ontem, a maior taxa em 16 meses. Os títulos de cinco anos foram a 1,92%.

— Com esses fatores, diminui a atratividade do mercado brasileiro para os investidores internacionais — disse Gomes.

No mercado de juros, apesar de na véspera o Banco Central ter reduzido a Selic em 0,25 ponto, para 13,75%, os contratos para janeiro de 2019 fecharam a 11,94%, alta de 2,93 pontos percentuais.

— A alta veio apesar do comunicado mais leve do Banco Central. O mercado se estressou muito, com os riscos aumentando — afirmou Espirito Santo. Os bancos, que têm o maior peso no Ibovespa, registraram fortes perdas. O Itaú, que sofreu diligência da Polícia Federal, que buscava documentos relativos a processos tributários do BankBoston, teve queda de 4,5%. Banco do Brasil tombou 6,59%, enquanto Bradesco e Santander perderam 5,57% e 7,99%, respectivamente.

A alta do preço internacional do petróleo, ainda no rastro do acordo de corte de produção pela Opep, não bastou para segurar as ações da Petrobras. O papel ordinário (ON, com direito a voto) da estatal perdeu 1,4%, a R$ 18,21, enquanto o preferencial (PN, com voto) caiu 3,5%, a R$ 15,44. O barril do tipo Brent, que chegou a avançar mais de 8%, encerrou em alta de 4%, a US$ 53,94.

A mineradora Vale, beneficiada por novo salto do minério de ferro, de 8,17%, foi uma das poucas a registrar ganho, mas apenas no papel ON: 1,45%. A ação PN perdeu 0,97%. Avançaram ainda Fibria (1,74%) e Embraer (2,11%).

Em Nova York, o índice Dow Jones teve alta de 0,36%. O S&P 500, porém, perdeu 0,35%.

 

 

O globo, n. 30433, 02/12/2016. Economia, p. 19.