Suspensão de obra põe em risco abastecimento de água no Ceará
Sérgio Roxo
04/12/2016
Em crise, Mendes Júnior abandona transposição do Rio São Francisco
Uma das obras paradas por causa da Operação Lava-Jato pode contribuir para o colapso no abastecimento de água em Fortaleza, no ano que vem. Em julho, por falta de condições financeiras, a empreiteira Mendes Júnior abandonou os trabalhos no eixo norte da transposição do Rio São Francisco e adiou mais uma vez a conclusão do projeto, visto como solução para atenuar os efeitos da maior seca dos últimos cem anos no Nordeste.
Hoje, o reservatório Castanhão, que abastece 3,5 milhões de habitantes da Região Metropolitana de Fortaleza, opera com apenas 5,3% da sua capacidade. Se a seca dos últimos cinco anos se repetir na próxima temporada de chuvas, que começa em fevereiro, a cidade ficaria sem água em maio, segundo previsão do governo estadual. Para evitar o caos, a solução emergencial é o racionamento.
Quando pronta, a Transposição do São Francisco levará água até o município de Jati, na divisa do Ceará com Pernambuco. De lá, por canais que ainda estão sendo construídos pelo governo estadual, a água irá até o Castanhão. A previsão inicial era que a transposição ficasse pronta em 2014.
Na Lava-Jato, a Mendes Júnior é acusada de integrar o cartel de empresas que fraudava licitações e pagava propinas. Sérgio Cunha Mendes, ex-vice-presidente da empresa, foi condenado a 19 anos e 4 meses de prisão por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Com a desistência da empreiteira de tocar a transposição, o Ministério da Integração Nacional decidiu realizar uma nova licitação. O processo tem previsão de ser concluído em janeiro. O caminho escolhido gerou um embate político entre o governador cearense Camilo Santana (PT) e o governo federal. O petista defendia uma contratação emergencial para agilizar a obra.
— Quem é cobrado aqui no Ceará sou eu e essa obra não é minha, é do governo federal. A transposição é a única forma de evitar um colapso se tivermos mais um ano de seca — diz.
ÁGUA PREVISTA PARA SETEMBRO
Com a decisão de fazer uma nova licitação, a água do Rio São Francisco chegará em Fortaleza em setembro, se o cronograma for seguido à risca.
— Estamos numa situação crítica. O racionamento já deveria ter começado. Quando há um risco de colapso, tem que tomar medidas amargas — avalia Nilson Campos, professor do departamento de Engenharia Hidráulica da Universidade Federal do Ceará.
Campos destaca ainda que a crise hídrica atual do estado é a mais grave desde 1993, com o agravante de que hoje a população de Fortaleza é maior. Para ele, com racionamento imediato, seria possível evitar o colapso desde que a transposição seja entregue no prazo estabelecido pelo Ministério da Integração Nacional.
— Temos que torcer para a água do São Francisco chegar até setembro.
Por enquanto, o governo estadual adotou medidas para tentar reduzir o consumo, como a aplicação de multas aos consumidores que não cumprirem a meta de diminuir em 20% o gasto. Também definiu o corte no fornecimento de 75% da água destinada para a irrigação de áreas agrícolas.
O globo, n. 30435, 04/12/2016. País, p. 04.