Cunha surpreende advogados e, da prisão, orienta sua defesa

Dimitrius Dantas

04/12/2016

 

 

-SÃO PAULO-Deputada cassado, que já se definiu como ‘meio rábula’, lê calhamaços de processos e traça estratégias. Ao contrário de outros réus, que ficam em cadeiras laterais, senta-se diante do juiz

Cinco anos atrás, quando encaminhou para votação na Câmara projeto para extinguir o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o então deputado Eduardo Cunha (PDMB-RJ), aparentemente, não tinha ideia de que poderia estar legislando em causa própria. Embora formado em Economia, parece que a vocação para o Direito fala mais alto na vida do parlamentar cassado, preso há dois meses por envolvimento em esquema de corrupção pela Lava-Jato.

Desde que começou a acompanhar os depoimentos de suas testemunhas ao juiz Sérgio Moro, é ele mesmo quem senta de frente para o magistrado. Nada de ficar nas cadeiras laterais, algo comum aos presos durante as audiências.

Cunha mergulhou na sua defesa. Pediu aos seus advogados todas as cópias de seus processos, não apenas o que tramita com Moro, mas também os de Brasília e Rio de Janeiro. Leu todos e faz anotações. Tem passado os dias na pequena cela da carceragem lendo linha por linha das acusações contra ele. Criterioso e detalhista, um de seus defensores admitiu ter ficado surpreso ao descobrir que Cunha não era advogado, mas economista:

— Ele é melhor que muitos advogados.

O próprio presidente Michel Temer já havia se declarado surpreso quando soube que Cunha não era advogado de formação.

Ao contrário da maioria dos réus da LavaJato, Cunha marca presença em todas as audiências: chega de terno e gravata, acompanhado de dois agentes federais. Leva bloco de notas, faz anotações, balança a cabeça e cochicha com seus advogados, lembrando-lhes pontos que julga importantes.

A impressão de advogados que já participaram do processo é que seu estilo continua o mesmo da Câmara.

A cela do deputado federal cassado na carceragem da Polícia Federal em Curitiba foi transformada por ele numa espécie de escritório privado de advocacia. Ele não divide o pequeno espaço com ninguém e lê calhamaços de processos, que, muitas vezes, ultrapassam mil folhas.

Certa vez, questionado sobre seus conhecimentos, o ex-deputado admitiu que era “meio um rábula”, adjetivo dado a pessoas que praticavam o Direito, mesmo sem formação acadêmica.

Mergulhado nos documentos, Cunha não reclama das condições do cárcere. Segundo agentes, ele dorme bem e não tem insônia. Em outras celas, na mesma carceragem, estão o ex-ministro Antonio Palocci, e os executivos Léo Pinheiro e Marcelo Odebrecht,além do doleiro Alberto Youssef, primeiro delator a citá-lo.

Um dos advogados de Cunha diz que o ex-deputado participa de forma ativa no processo.

— Ele é extremamente inteligente e sempre tem uma contribuição para dar no processo — relata.

No processo, Cunha é acusado de ter recebido em contas na Suíça o equivalente a R$ 5 milhões. Parte do dinheiro teria abastecido compras de luxo de sua esposa, Cláudia Cruz, também ré em processo da Lava-Jato. É dela que ele recebe agora roupa e comida, em visitas semanais.

 

VISITAS DIÁRIAS DE ADVOGADOS

Dos seus advogados, tem visitas diárias, com quem discute estratégias de defesa e recebe jornais do dia, lendo principalmente as notícias sobre o governo que ajudou a levar ao poder. Além do processo, Cunha se distrai trabalhando em seu livro.

Como qualquer advogado, sai da carceragem apenas em dias de audiência. Quem esteve na sala de audiências diz que Cunha é extremamente discreto, não olha para ninguém e raramente expressa alguma manifestação. Assiste atentamente aos testemunhos e, em meio a eles, fala com seu advogado, normalmente para sugerir alguma pergunta adicional.

A própria presença de réus nas audiências é raridade na Lava-Jato. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, pediu dispensa.

— No contexto da operação, é incomum a postura do Eduardo Cunha. Ele não só participa, não só está lá, mas toma nota de tudo que é dito, parece estar bastante atento com o que está acontecendo — disse um dos advogados.

Como réu, não pode falar, mas se intromete: geralmente, se inclina e sugere questionamentos aos seus defensores. No depoimento de José Carlos Bumlai, amigo de Lula, cochichou ao pé do ouvido de seu defensor, que concordou e, logo depois, perguntou ao pecuarista sobre a reunião de que teria participado com o presidente Temer.

— Ele tem controle total da defesa, é incomum. A tese de defesa dele é de acusação. Parece que ele fica mais satisfeito em trazer o restante do PMDB para o problema do que se defender —, disse um advogado que tem frequentado as audiência com Moro.

 

 

O globo, n. 30435, 04/12/2016. País, p. 05.