Carcereiro da Casa da Morte é denunciado pelo MP

Chico Otavio

04/12/2016

 

 

Camarão é acusado de violência sexual contra Inês Etienne, única sobrevivente de centro de tortura em Petrópolis

 

No histórico depoimento em que revelou a existência de um aparelho clandestino do Exército em Petrópolis, conhecido como Casa da Morte, a ex-presa política Inês Etienne Romeu, já falecida, contou que foi estuprada duas vezes pelo caseiro do lugar, de codinome Camarão. Este trecho do depoimento é a base de uma denúncia inédita contra os torturadores da ditadura militar (1964-1985) que acaba de ser oferecida pelo grupo Justiça de Transição, do Ministério Público Federal.
Camarão é o ex-paraquedista Antônio Waneir Pinheiro de Lima, que poderá ser o primeiro agente do regime a ser submetido a julgamento, caso a 1ª Vara de Justiça Federal de Petrópolis acolha a tese da acusação de que ele obrigou Inês, mediante violência, à “conjunção carnal” a que se refere o artigo 213 do Código Penal.

Até agora, o Ministério Público Federal vem enfrentando dificuldade para levar os torturadores já identificados ao banco dos réus.

Decisões reiteradas dos tribunais, incluindo o Supremo Tribunal Federal (STF), entendem que os crimes praticados nos porões da ditadura estão perdoados pela Lei na Anistia, de 1979. O relato de Inês, no entanto, traz à luz, além da tortura física, a violência sexual praticada pelo algoz. Tribunais do mundo todo, ao examinar casos de vítimas de estupro em cenários de conflito, passaram a entender que os ataques sexuais são crimes de lesa-humanidade quando usados pelo poder estabelecido como forma de subjugar as populações. Neste sentido, não podem ser considerados perdoados.

Inês Etienne Romeu, ex-bancária mineira que militou da VAR-Palmares, organização da esquerda que lutou contra o regime, é considerada a única vítima a sair viva da Casa da Morte de Petrópolis, para onde foram levados outros presos.

 

 

O globo, n. 30435, 04/12/2016. País, p. 07.