Cármen alerta sobre momento do país: 'Democracia ou a guerra'

Geralda Doca, Bárbara Nascimento e Eduardo Barreto

06/12/2016

 

 

Presidente do STF cobra agilidade da Justiça e cita descrédito da população

 

-BRASÍLIA- A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, aproveitou a abertura de um evento com a presença de autoridades do Poder Judiciário para cobrar mais agilidade da Justiça. Ela citou o descrédito do cidadão com a lentidão de decisões que envolvam conflitos da sociedade e disse que o Estado democrático é a única opção. Afirmou que é a democracia ou a guerra. Essas reflexões foram feitas na abertura do 10º Encontro Nacional do Poder Judiciário, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que também preside.

— Temos deveres comuns com a sociedade, num momento de extrema dificuldade. E não vou dizer que seja inédito, há uma enorme intolerância com a falta de eficiência do poder público e que nos leva a pensar como devemos agir para que a sociedade não desacredite no Estado, uma vez que o Estado democrático previsto tem sido, ou parece ser até aqui, nossa única opção. Ou a democracia ou a guerra. E o papel da Justiça é pacificar — disse a ministra.

Por duas vezes, Cármen disse que o país vive um “momento particularmente grave”. Mas ela evitou fazer referência às ações da Câmara dos Deputados, semana passada, que desfigurou propostas de combate à corrupção e incluiu no texto a previsão de punição para juízes e procuradores. A presidente do STF frisou, porém, que o Judiciário precisa fazer a sua parte:

— Nenhum servidor público de qualquer um dos Poderes existe se não para cumprir uma finalidade fixada e do interesse público. O que o cidadão brasileiro espera é que julguemos os conflitos na sociedade. Como não há paz sem justiça, buscase exatamente a pacificação de um momento particularmente grave — afirmou Cármen.

A ministra afirmou haver uma demanda enorme da sociedade com o Judiciário. Segundo ela, é preciso que o cidadão se sinta “confortável” ou ciente de que os juízes estão trabalhando e fazendo o possível para dar essa resposta.

— Toda sociedade tem um momento em que se vê numa encruzilhada. Ou a sociedade acredita numa ideia de justiça e que vai ser atendida e, assim, partimos para um marco civilizatório; ou deixa de acreditar nas instituições e opta pela vingança, que é a não resposta da Justiça, que é a vingança. Fazer justiça com as próprias mãos, que é a vingança, é a negativa da civilização — disse a presidente do Supremo.

 

PRESIDENTE DO TST SE QUEIXA DO ORÇAMENTO

No evento, os presidentes dos tribunais superiores se manifestaram sobre o funcionamento de cada uma de suas áreas. O ministro Luiz Fux, do STF, afirmou que a área eleitoral é a mais próxima do cidadão:

— A Justiça que mais realiza comunicação com a sociedade é a Justiça Eleitoral. Explica como se deve votar, e há uma menção até a uma estratégia eletiva, sobre como escolher (um candidato) — disse Fux, que preside interinamente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Fux citou o seu exemplo para falar sobre o papel de um ministro que acumula sua atuação no STF e no TSE:

— Saímos de um julgamento que tratou de questões morais profundas, como marcha da maconha e união homoafetiva, e vamos julgar logo em seguida questões no TSE — afirmou.

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra da Silva Martins Filho, queixou-se do corte de orçamento que atingiu a Justiça do Trabalho:

— Passamos o ano inteiro correndo atrás de dinheiro. Foi um corte de 30% no custeio e 90% no investimento. Foram dispensados 2.500 funcionários terceirizados e 2.500 estagiários. Não sei como, ainda assim, conseguimos atingir nossas metas. Os servidores fizeram das tripas coração. Foi um corte de orçamento discriminatório — disse Gandra.

O presidente do Superior Tribunal Militar (STM), brigadeiro William de Oliveira Barros, contou um pouco a História do tribunal e dos tipos de questões que julga. Afirmou que sua Corte julga de soldados a generais e que os processos não são morosos. E que não há corporativismo entre o STM e as Forças Armadas.

— Tem muitos oficiais que até preferiam ser julgados na Justiça comum, onde podem ser beneficiados com a prescrição — afirmou o brigadeiro Barros.

Comandando a mesa de debates, o ministro do STF Dias Toffoli afirmou que o país vive um protagonismo do Judiciário:

— A sociedade acha que o Poder Judiciário tem que resolver tudo. É preciso ter cuidado com esse protagonismo... Vivemos uma era de muita incerteza, onde o que importa é o trânsito em julgado. O Judiciário não pode julgar tudo — afirmou o ministro.

 

 

O globo, n. 30437, 06/12/2016. Economia, p. 19.