Correio braziliense, n. 19525, 09/11/2016. Especial, p. 1

Só faltava o poder

 

Ele teimou em ser levado a sério, ainda que tenha sido tomado como assunto das páginas de variedades quando se lançou à disputa da candidatura presidencial pelo Partido Republicano. Donald Trump nunca teve receio de se ver no centro de uma polêmica — ao contrário. Milionário de berço, sentiu-se mais do que à vontade sob os holofotes, à frente do reality show O aprendiz. Desfilou de braços com modelos, batizou com o próprio nome arranha-céus, hotéis e cassinos, associou à imagem substantivos como riqueza e celebridade. Faltava o poder, e ele teimou em buscá-lo. Frequentava os Clintons, quando ocupavam a Casa Branca. Chegou a flertar com o fenômeno Barack Obama. Mas foi em um Partido Republicano perplexo e dividido, ávido por um caminho que o levasse de volta à mansão presidencial, como protagonista, que o bilionário extravagante encontrou terreno para a empreitada de maior risco.

Trump fez pouco dos comentaristas mais respeitados da imprensa. Ignorou os títulos empilhados em seu caminho por senadores, governadores, políticos de carreira que se acreditavam donos de uma sigla centenária: GOP, o Grand Old Party, herdeiro de Abraham Lincoln e Ronald Reagan. Não tomou conhecimento do clã Bush, com pai e filho ex-presidentes, e tirou do páreo o terceiro pretendente, outro dos favoritos da mídia que tiveram de se render ao estilo intempestivo de um candidato que fez da oposição ao establishment político o carro-chefe de uma campanha sem precedentes.

Confrontar os Clintons e os Obamas era a batalha definitiva — e, uma vez mais, o rejeitado calou a elite política. Um bilionário galvanizou a insatisfação da classe operária e virou pelo avesso a democracia para a qual o mundo volta os olhos a cada quatro anos. Agora, os EUA e o mundo se perguntam o que virá com uma personalidade imprevisível no comando da grande potência militar e econômica.