Correio braziliense, n. 19528, 12/11/2016. Política, p. 2

“O foro especial tem de ser reduzido”

 

Rodrigo Janot
Eduardo Militão


O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu, ontem, a redução do foro privilegiado. Ele disse que a medida, junto com a alteração no sistema de recursos, faria a Justiça ser mais rápida. A quantidade de pessoas que têm direito ao foro — 22 mil autoridades — precisa ser revista, segundo Janot. O procurador não se disse seguro quanto à extinção completa do privilégio. Ele citou preocupação se, por exemplo, o presidente da República respondesse a inquéritos “do Ceará ao Rio Grande do Sul”. “Mas o foro tem que ser reduzido”, disse a jornalistas em café da manhã na cobertura da Procuradoria-geral da República (PGR), em Brasília.

Janot espera que a Operação Lava-Jato “quebre” a corrupção endêmica, que foi comparada com uma “vara envergada”. “Nós chegamos a este ponto da investigação: envergamos a vara. Se ela não prossegue e ela volta, ela volta chicoteando todo mundo.” O procurador disse que a Lava-Jato não vai acabar com a corrupção, que é antiga e atinge o setor privado e estatal em todo o mundo. O objetivo é limitar o pagamento sistêmico de propina em atos de lavagem de dinheiro. Na quinta-feira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que há um “pacto quase diabólico” entre o Ministério Público, o Judiciário e a imprensa para persegui-lo com investigações. Janot desconversou. “Posso dizer que não sou religioso”, afirmou.

Para o chefe do Ministério Público da União, a reação de “centros de poder” político e econômico é natural em grandes investigações, como a Lava-Jato. “Óbvio que, em investigações desse porte, quando você toca em centros de poder político e econômico, deve ser até autopreservação, que impõe uma reação desses centros de poder.” Veja os principais trechos da conversa com os jornalistas.

Privilégio

Modelo pronto de como tratar as prerrogativas de foro eu não tenho. Tem que haver redução do número. Existem propostas feitas. Por exemplo o ministro (Luís Roberto) Barroso sugere a criação de um juizado especial na capital da República, com as salvaguardas necessárias para os magistrados e membros do MP, com mandato fixo. Existe também uma outra proposta. O parâmetro é ruim mas a ideia não: a Lei de Segurança Nacional, que dá arrepio em todo mundo. Qual é a proposta que se tira dela lá? Os competentes para julgar as pessoas com foro seriam juízes de primeiro grau. Os recursos desses juízes, diretamente ao Supremo e habeas corpus também. (Com) essa quantidade de pessoas, não há a menor condição de continuar. Acabar com o foro completamente também não é uma coisa que me parece... Assim, eu tenho insegurança nisso... Imaginar um presidente da República por exemplo, no exercício do seu mandato, respondendo a processos que vão do Ceará até o Rio Grande do Sul, é uma coisa complicada também. A solução tem que existir. O melhor lugar para se discutir isso é Parlamento.

Acusações

Quanto à autolegislação, vou tentar fazer uma tradução livre do que disse o Antonio de Pietro, que começou a operação Mãos Limpas. Ele disse alguma coisa mais ou menos assim, em tradução livre: “A gente aprende na escola que quando você é chamado a responder um processo ou você confia na Justiça e se entrega a ela, promovendo a defesa, ou você escapa e se torna um fugitivo. Hoje, após a investigação Mãos Limpas, aprendi algo que não nos ensinam na escola. Existe uma terceira via. Você vai ao Parlamento, entra como membro do Parlamento e legisla em causa própria para se furtar à atuação da Justiça.”

“Pacto diabólico”

Vivemos num país livre, onde o direito de crítica e de manifestação é assegurado na Constituição; eu não tenho que me referir ao que ele (Lula) disse. Ele tem todo direito de externar as opiniões e as críticas que entender necessárias. O que eu posso dizer é que eu não sou religioso.

Reações à Lava-Jato

É óbvio que quando você, numa investigação desse porte, toca em centros de poder político e econômico a autopreservação (se) impõe, há uma reação desses centros de poder. Eu vou lembrar o exemplo italiano para que possamos tirar as nossas conclusões. Tivemos, de medidas legislativas na Itália, em número de 13, todas elas como forma de contrapor o sistema daquela investigação que foi feita. Essas medidas legislativas que ocorreram na Itália, de uma forma ou outra, são discutidas aqui no Brasil. Podemos fazer esse parâmetro, dessa provável reação de centros de poder político ou econômico.

Vazamentos

A gente tem que separar bem o que é especulação, o que é vazamento, e o que é ato público a que a imprensa tem acesso. Na quinta-feira eu saí mais cedo da sessão do Supremo e, quando eu saio mais cedo, surge sempre uma especulação do que vai acontecer, e todo mundo dizia que eu saí mais cedo pra assinar determinada colaboração premiada que é esperada. Não tinha nada disso. Não vou dizer que não tenha vazamento, tem sim, mas como é que se compõem? Segredo de mais de uma pessoa impossível. Quando você começa a partilhar esse fato, a chance de conversa é muto grande. Então tem vários interesses por trás desses ditos vazamentos. Se o advogado tem um cliente, em que o que ele se dispõe a entregar para Justiça como eventual colaborador, mas não despertou o interesse do acusador em fazer a colaboração, uma forma de pressionar é ir para imprensa e dizer: “Ele sabe disso e daquilo”. Temos aqui várias barreiras de contenção para evitar vazamentos. Dentro do grupo que trabalha comigo, por exemplo, somos oito, nove, a gente compartilha fato somente com a dupla encarregada da investigação. As outras duplas não têm acesso aos fatos. Mas concordo que nós temos que primar sim pelas garantias individuais, do direto da personalidade pelos investigados.

Mobilização no Congresso

A mobilização da opinião pública tem que ocorrer no caso, por exemplo, das reações legislativas, mas na investigação não influi em nada. O vazamento, em 90% dos casos, prejudica mais do que ajuda a investigação. Numa investigação, o clamor popular não interfere. O clamor popular vai interferir aonde? Existe um projeto de lei no Congresso, sim. Esses vazamentos são prejudiciais para as investigações. Boa parte do sucesso está exatamente no sigilo.

Anistia

Existe uma proposta nossa para criminalizar o caixa 2, que tem um tipo penal desse tamanhinho. A gente quer tornar então em crime robusto. A lei só pode retroagir para beneficiar o réu, nunca para agravar a situação. Então não há por que dizer que temos que anistiar o caixa dois para trás porque essa lei não retroage. Agora, se o que se quer é anistiar outros crimes, como lavagem de dinheiro, corrupção, peculato, aí a coisa muda de figura. E, nesse viés, se existir, a anistia aos crimes que foram praticados antes, é uma forma realmente de prejudicar a investigação. A partir do momento em que você investe em capital humano, tecnologia, tem despesas — uma investigação dessa custa caro para caramba para o contribuinte —, depois de todo esse esforço, você passa a borracha em cima, é, de certa forma, prejudicial.

Corrupção

A figura de linguagem que eu faço é que nós invertamos uma vara. Essa vara está envergada. Se agora isso não prossegue, essa vara solta e volta chicoteando todo mundo. Então, o ponto de inflexão é esse. É que nós dobramos a vara e essa vara tem que ser quebrada. Se essa não for quebrada, ela volta dando chicotada em todo mundo. Ninguém tem a ilusão de que essa investigação vai acabar com a corrupção no país. Não vai acabar. O que a gente tem é que controlar essa corrupção. Não tem nenhum herói aqui. Não tem nenhum deus, não tem nenhum santo que vai, de um passe de mágica, dizer: “Agora, o Brasil virou um paraíso”. O enfrentamento é para que possamos controlar essas atuações de corrupção endêmica. 

Farra das passagens

Não recebi ainda o documento (pedido de investigação contra 212 parlamentares, 4 governadores e 2 conselheiros de contas suspeitos de uso indevido de passagens aéreas no Legislativo). Nos inquéritos anteriores, de 14 parlamentares, em que havia investigação sobre eventual peculato, foram arquivados. Já baixaram à origem. Eu não sei o conteúdo do que chegou ainda para esses fatos. Se existe ato ilícito, esse ato tem que ser apurado.

10 medidas

Não é que a gente tenha a soberba de achar que essas medidas não poderiam ser objeto de discussão e teriam que ser aprovadas como a gente encaminhou. Se houvesse uma recusa de todas essas propostas, estariam sendo negados instrumentos que permitem o aprimoramento das investigações. A questão da prova ilícita começou com esse nome danado e contaminou toda a discussão. É a prova produzida de boa fé.

Diálogo

Eu continuo dialogando com o presidente do Senado, da Câmara. Nesse projeto de lei, por exemplo, de leniência, conversei com o presidente da Câmara, que disse que tem todo interesse em me ouvir e que vai me encaminhar o texto para que eu possa me manifestar. Até agora, o relacionamento é profissional e assim deve continuar. Situações pessoais não podem influir nessas relações institucionais. O STF está julgando agora sobre linha sucessória da Presidência. Já há uma maioria formada de seis membros. É uma forma que ajuda também nesse ponto de equilíbrio. O sistema está sendo depurado, está sendo colocado em xeque. O ponto de equilíbrio está ai. É continuar dialogando e esperar que as pessoas não misturem o pessoal com o institucional.

Leniência

Os órgãos que participam da feitura do acordo a ele se vinculam. Aqueles que não participam, a ele não se vinculam. Se, dentro deste contexto, o MP for incluído para acolher, admitir, aceitar, aprovar, o acordo de leniência, o MP a ela se vincularia. 

Economia

No que essa investigação interfere na economia? Nós temos aí empresas cujos titulares são objeto de investigação e essas empresas têm sofrido realmente consequências dos atos que elas praticaram. Não foi ninguém que praticou, foram elas. Qual era o quadro da economia por trás? Era uma economia de mercado, de competição? Não. Era economia que assentava em cima de cartelização, capitalismo tupiniquim de acerto, de pagamento de suborno.