Correio braziliense, n. 19517, 01/11/2016. Política, p.2

 

Demora suprema

Eduardo Militão

 

 

#XôPRIVILÉGIO » Em meio ao aumento de processos criminais da Lava-Jato, o STF leva cada vez mais tempo para julgar as ações penais contra políticos com foro privilegiado: está 23 vezes mais lento do que em 2003. 

O tempo de julgamento de uma ação penal contra um político processado no Supremo Tribunal Federal aumentou 23 vezes entre 2002, quando a Corte passou a não depender mais de autorização do Congresso para julgar parlamentares, e 2015. Antes, gastavam-se 65 dias para se concluir uma ação criminal no STF com o chamado “trânsito em julgado”, situação em que não cabem mais recursos. Em 2015, o tribunal usou, durante um ano inteiro, uma nova regra para julgar políticos mais rapidamente: os casos deles foram entregues às duas turmas, e não ao plenário. Ainda assim, a demora média foi de 1.536 dias, segundo dados do Projeto Supremo em Números, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Ao mesmo tempo, os processos criminais estão em disparada, principalmente com a Operação Lava-Jato. Em 20 de dezembro de 2001, a Emenda Constitucional nº 35 retirou a obrigação do Supremo de aguardar autorização do Congresso para julgar parlamentares. Em 2002, quando passou a valer de fato, foram 91 casos novos no tribunal, sendo 79 inquéritos e 12 ações penais. Em 2015, quando a maior investigação de combate à corrupção chegou ao STF, foram 298 casos novos, sendo 233 inquéritos e 65 ações criminais. Isso significa um incremento de 113% no número de investigações preliminares de ações penais em 2014.

O número de casos também aumentou em relação aos últimos 10 anos. Em 2006, foram 78, volume formado por 65 inquéritos e 13 ações. Nos últimos 10 anos, também houve aumento considerável na tramitação das ações. Em 2006, gastavam-se 605 dias até o trânsito em julgado. De janeiro a março deste ano, a média ficou em 1.237, mais que o dobro.

Desde a semana passada, série de reportagens do Correio vem mostrando mecanismos que fomentam a impunidade no país, como 10 projetos de lei que inviabilizam o combate à corrupção ou a dificultam e a manutenção do foro privilegiado. Hoje, 22 mil autoridades — magistrados, parlamentares, prefeitos, ministros, presidente da República e, às vezes, até vereadores e delegados — têm direito ao privilégio de só serem julgados fora da primeira instância. Uma denúncia é recebida em 617 dias no STF, embora um juiz de primeira instância costuma gastar menos de uma semana. 

Espera

As estatísticas levantadas pela FGV mostram que os ministros do Supremo também estão mais demorados para tomar uma decisão quando o Ministério Público ou a defesa dos investigados fazem algum pedido ao relator do caso. Nos primeiros três meses do ano, cada ação penal ficava 36 dias, em média, no gabinete do magistrado à espera de um despacho, contra 21 dias em 2006. Ainda assim, houve uma melhora. Em 2015, o gasto nos períodos em que o processo está “concluso ao relator”, como se diz no jargão jurídico, era de 42 dias.

Lógica diferente acontece com os inquéritos. Quando a Polícia Federal ou o Ministério Público fazia um pedido ao relator em 2006, o tempo gasto era de 32 dias para decisão. Nos primeiros três meses deste ano, a média caiu para quase a metade, 18 dias. No ano passado, a espera era de 42 dias.

A espera por decisões simples — como ouvir testemunhas e solicitar documentos — é apontada por muitos investigadores da polícia e do Ministério Público, inclusive assessores diretos do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, como fator de lentidão causada pelo foro privilegiado. Na primeira instância, por exemplo, se um delegado quer ouvir uma pessoa, ele telefona ou manda uma intimação para ela. No STF, é preciso pedir autorização ao relator do processo, que ainda pode pedir para ouvir o Ministério Público antes. Toda essa burocracia arrasta o caso por anos e pode levar à prescrição, o arquivamento do processo por excesso de prazo na apuração mesmo que o investigado seja culpado dos crimes.

O foro privilegiado é criticado também por advogados. Criminalista há 23 anos, Alexandre Lopes de Oliveira diz que ele dá tratamento “desigual” aos investigados. Mas não é só. “O foro privilegiado tira a oportunidade de defesa do réu”, afirmou. Ele destaca que, se for condenado no STF, a pessoa não poderá recorrer à segunda instância e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo ele, os tribunais superiores têm sido mais conservadores e rigorosos com os réus desde o episódio do mensalão. “O foro é um resquício de uma Justiça aristocrática. Não vejo sentido no foro privilegiado.”

A assessoria do STF enviou ao Correio relatório em que contesta a FGV. “Em média, a tramitação de uma ação penal é de 868 dias e não 1.536.” O Supremo analisou 180 ações abertas entre 2007 e 2016: a mais rápida demorou 55 dias. A mais lenta, 3.297, ou nove anos. Para fazer a conta nos processos com mais de um trânsito em julgado, como o mensalão, o STF considerou apenas a primeira data de encerramento do caso.