Correio braziliense, n. 19521, 17/11/2016. Política, p. 4

Garotinho é preso por comprar votos no Rio

FRAUDE » Ex-governador teria usado programa social de Campos para cooptar eleitores. Secretário da própria mulher, que é prefeita da cidade, o político passou mal e foi levado ao hospital

 

Acusado de participar de um esquema de compra de votos na cidade de Campos, interior do Rio do Janeiro, o ex-governador do Rio Anthony Garotinho (PR) foi preso na manhã de ontem na Operação Chequinho, da Polícia Federal. A corporação mirou no Programa Cheque Cidadão, que teria sido usado para cooptar eleitores na última campanha no município do norte-fluminense. A prisão foi pedida pelo Ministério Público e decretada pelo juiz Glaucenir Oliveira, da 100ª Zona Eleitoral.

Rosinha Garotinho, mulher do ex-governador, é prefeita de Campos dos Goytacazes. Garotinho — que é secretário de governo do município — governou o Rio entre 1999 e 2002. Em outubro, a Polícia Federal prendeu três vereadores por suposto envolvimento no esquema — Kellenson Ayres Figueiredo de Souza (PR), Miguel Ribeiro Machado (PSL) e Ozeias Martins (PSDB). Outro alvo da Operação Chequinho é a secretária de Desenvolvimento Humano e Social da prefeitura de Campos Ana Alice Ribeiro Lopes de Alvarenga.

O atual secretário de Governo de Campos foi preso por volta de 10h30, no prédio onde reside no Flamengo, na zona sul do Rio. Agentes da PF informaram que ele não foi algemado. Alertado da presença de policiais na portaria do edifício para cumprimento do mandado de prisão, Garotinho desceu e se entregou. Na garagem, uma viatura da PF já o aguardava. Garotinho iria ser transferido para a cidade de Campos, mas passou mal e foi levado para um hospital no Rio. A expectativa era de que ele fosse levado, depois do hospital, para a Penitenciária de Bangu.

O criminalista Fernando Fernandes, defensor de Garotinho, afirmou que a “prisão é ilegal”. O advogado vai recorrer ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) para tentar revogar o decreto de prisão expedido pelo juiz da zona eleitoral de Campos. Um argumento da defesa é que o ex-governador não foi candidato nas eleições municipais.

Segundo as investigações, o ex-governador controlava com “mão de ferro” o esquema de compra de votos no município. Para o juiz Glaucenir, Garotinho é o “prefeito de fato” de Campos. A expressão “comandante” foi identificada em uma escuta telefônica autorizada pela Justiça Eleitoral de uma conversa entre Garotinho e o presidente do Legislativo municipal. Na ocasião, o Tribunal Regional Eleitoral cassou o mandato da prefeita e mulher do ex-governador Rosinha Garotinho e de seu vice, determinando assim que o presidente da Câmara assumisse a prefeitura.

Segundo a Operação Chequinho, Garotinho “determinou (ao presidente da Câmara) que fosse encetada uma reação política” e o próprio Edson Batista — no diálogo em que se refere ao “comandante” — pediu “orientações contínuas para que não desse passo em falso”. “Nota-se a subserviência dos Poderes Executivo e Legislativo deste município ao acusado”, assinala o juiz eleitoral. Ao analisar as provas da investigação policial, incluindo escutas telefônicas e depoimentos de testemunhas, Glaucenir assinalou que existem “sérios, fartos e veementes indícios de autoria” dos crimes de compra de voto e associação criminosa de Garotinho.

As investigações apontam que antes de três meses da eleição deste ano, por ordem de Garotinho, foram cadastradas 18 mil pessoas a mais no Programa Cheque Cidadão da prefeitura de Campos. Os benefícios, inclusive, teriam sido distribuídos por meio de vereadores e candidatos aliados de Garotinho. Segundo a investigação, o esquema criminoso foi bem-sucedido e teria conseguido eleger 11 vereadores “ligados politicamente” ao ex-governador.

“Este e vários outros elementos probatórios constantes dos autos do inquérito policial demonstram, com clareza, que o réu efetivamente não só está envolvido, mas comanda com ‘mão de ferro’ um verdadeiro esquema de corrupção eleitoral neste município através de um programa assistencialista eleitoreiro e que se tornou ilícito diante da desvirtuação de sua finalidade precípua”, assinala o juiz Glaucenir.

 

Coação

O magistrado destacou os relatos de coação feitos por duas testemunhas que mudaram seus depoimentos à Polícia Federal. Em um dos casos, da servidora Alessandra da Silva Alves Pacheco, o próprio juiz eleitoral apontou que “poucas vezes percebeu algo tão absurdo no que concerne à coação de uma testemunha”. Em seu primeiro depoimento à PF, ela admitiu que exercia o cargo comissionado de chefe de um posto de saúde e que teria recebido autorização de um vereador e candidato à reeleição, para quem exercia o cargo comissionado, para distribuir cheque cidadão a 20 pessoas. Ela, então, admitiu que recolheu a documentação dessas pessoas e conseguiu o benefício que foi entregue pessoalmente pelo vereador às famílias.

No dia 27 de outubro, porém, ela voltou à Polícia Federal espontaneamente acompanhada de dois advogados e relatou que, após seu primeiro depoimento, foi procurada por um assessor parlamentar do vereador que teria lhe dito que “as pessoas estavam com ela indignadas em razão de ter comprometido citado parlamentar” e que teria sido coagida a gravar um áudio, ditado pelo assessor, para ser enviado a Garotinho. A mensagem acabou sendo divulgada em um programa de Garotinho na rádio local. “Não bastasse a fraude eleitoral, resta evidenciado nos autos que o réu, se utilizando de outras pessoas sob seu comando, praticou crimes de coação no curso do processo.”

 

Frase

“Nota-se a subserviência dos Poderes Executivo e Legislativo deste município ao acusado (Garotinho)”

Glaucenir Oliveira, juiz da 100ª Zona Eleitoral