Paulo de Tarso Lyra
A prisão do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral Filho (PMDB), na última quinta-feira, é mais uma prova concreta e cruel de que o imaginário do Brasil grande que permeou o discurso petista dos últimos 13 anos ruiu carcomido pela corrupção. Uma das acusações que pesam contra o peemedebista é o superfaturamento nas obras do Maracanã. O maior estádio do mundo sediou a final da Copa de 2014 entre Argentina e Alemanha e brilhou na abertura e encerramento dos Jogos Olímpicos. O Itaquerão, construído para abrir o Mundial de dois anos atrás em um estado que já contava com o Morumbi e o Pacaembu, está na delação da Odebrecht e, hoje, tem uma série de vazamentos que colocam em risco a vida dos fiéis corintianos que lotam o estádio desde então.
“Eu queria dizer a vocês que nós, brasileiros, temos orgulho do que nós somos. E somos um povo que, mesmo nas adversidades, nós não desistimos nunca. Isto é o Brasil de 2014”, projetou Lula, em julho de 2010, quando a Copa se despedia da África do Sul e iniciava-se a jornada brasileira. O Brasil já havia sido retratado em uma capa histórica da The Economist, em 2009, com o Cristo Redentor parecendo um foguete e o título o Brasil decolou. Em 2013, quando a recessão ainda era “um discurso feito pelos oposicionistas que são contrários às conquistas dos mais carentes”, como dizia a presidente Dilma Rousseff, a mesma The Economist apresentou um Cristo Redentor desgovernando, despencando dos céus. E o título: “O Brasil estragou tudo?”.
O espetáculo do crescimento, que tivera o ápice nos 7,5% de aumento do PIB em 2010, transformou-se em uma recessão que já dura dois anos. O pleno emprego, com 5% de índice de desocupação, virou um desemprego na casa dos dois dígitos. A Usina de Belo Monte, concebida para suprir os riscos de um apagão, como o que convulsionou o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, agora é investigada sob a acusação de formação de cartel denunciada pela Andrade Gutierrez. “A concepção política do PT remete ao Brasil grande dos governos militares, onde o estado era responsável pelo financiamento e planejamento e a iniciativa privada vinha a reboque”, comparou o analista de risco político e professor aposentado Paulo Kramer.
O alto investimento em infraestrutura e a insistência — especialmente da presidente Dilma Rousseff, na concepção dos modelos de concessões ao longo do primeiro mandato — também contribuíram com a derrocada da economia brasileira. “O PT tinha a mania de interferir em tarifas e taxas de retorno. Isso afugentava a iniciativa privada e acaba onerando os cofres públicos. É bom lembrar que, nesse período, o Tesouro Nacional foi obrigado a capitalizar o BNDES em quase meio trilhão de reais”, prosseguiu Kramer.
Para o professor de ciência política da FGV-Rio, Sérgio Praça, o Brasil viveu nos últimos anos uma “tempestade perfeita”, que levou o país da euforia ao caos em menos de uma década. “Nós tivemos um aumento considerável em investimentos em infraestrutura neste período. São obras volumosas, com recursos abundantes, o que estimula a corrupção”, afirmou Praça. Além disso, ele enumera outros três fatores: a falta de transparência nas estatais; a tradição, já antiga, das empreiteiras de se organizarem em cartéis para garantir lucros maiores; e a dependência do sistema política no financiamento à base de propinas.
“Com o aumento dos recursos, as grandes empreiteiras perceberam que dava para todo mundo sair ganhando e ainda pagar todas as caixinhas que a classe política precisava e cobrava. E a coisa saiu do controle”, prosseguiu o professor da FGV-Rio, acrescentando que as denúncias de corrupção no governo FHC eram menores não porque os tucanos eram bonzinhos e os petistas, vilões. “É porque os recursos para investimentos naquele período eram menores”, justificou.
O diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, responsabiliza a mania estatista do Brasil, potencializada pelo PT, pela derrocada do sonho de gigantismo nacional. “Se em vez de atrair para si todas as coisas, Lula e Dilma tivessem feito parcerias público-privadas, muitos desses problemas não teriam acontecido”. Queiroz, contudo, resiste em afirmar que as operações feitas exclusivamente entre entes privados sejam isentas de problemas. “Em qualquer país, tem sempre alguém que ganha comissão pelo êxito dos negócios. Mas se você agisse assim, eliminaria o agente público do processo e tiraria a pecha de corrupção”, completou.
Queiroz prevê que o atual momento poderá travar os investimentos futuros no país. “O estado não tem mais dinheiro e os agentes privados vão pensar duas vezes antes de investir em obras, com receio de serem fisgados pelos órgãos de controle. Com isso, será mais difícil a economia se recuperar”, lamentou o diretor do Diap.
Garotinho põe stent
O ex-governador Anthony Garotinho foi submetido a uma angioplastia para colocação de stent, na manhã de ontem, no Hospital Quinta D’Or, na Zona Norte do Rio O cateterismo realizado identificou obstrução da artéria coronária direita. Boletim médico divulgado pelo hospital informa que o estado do ex-governador é estável. “De acordo com o médico Marcial Raul Navarrete Uribe, ‘houve risco potencial ao paciente de infarto agudo do miocárdio, quando submetido à situação de estresse, como ocorreu com sua remoção intempestiva, inadequada e desnecessária”, diz a nota, divulgada pela assessoria de imprensa do advogado Fernando Fernandes, que defende Garotinho.