Correio braziliense, n. 19537, 21/11/2016. Política, p. 3

Até a base critica Geddel

 

Eduardo Militão

 

Enquanto a liderança do Governo na Câmara tenta minimizar a situação do ministro palaciano Geddel Vieira Lima, parte dos integrantes da base aliada de Michel Temer no Congresso defende uma apuração rigorosa dos fatos na mesma linha de opositores. O vice-líder do Bloco Social Democrata no Senado, Ricardo Ferraço (PSDB-ES), considera “extremamente grave” a denúncia do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, que acusou o secretário de Governo da Presidência da República de pressioná-lo a aprovar um empreendimento em Salvador onde ele tinha comprado uma residência de R$ 3,4 milhões, na orla soteropolitana. Geddel admite o pedido, mas nega pressões.

“Revela tráfico de influência”, afirmou Ferraço. Para o senador, o fato de Geddel ser dono de um apartamento no prédio onde fazia pressões perante Calero demonstra uma atuação indevida. “Ele não deveria fazer porque está legislando em causa própria. Sendo proprietário, é absolutamente inadequado.”

Ferraço discorda da oposição no método de apuração. Ele defende que a Comissão de Ética, e não o Congresso, avalie o caso, a fim de evitar disputa política com o único objetivo de desgastar o governo de Michel Temer. Se preciso, deve ser feita uma acareação, na visão dele. A comissão se reúne nesta segunda-feira para discutir o caso. Geddel deve comparecer hoje à reunião do “Conselhão”, no Planalto.

Calero pediu exenoreção do cargo de ministro da Cultura na sexta-feira alegando pressão do secretário de Governo para liberar obra no prédio La Vue Ladeira da Barra. Ontem, o jornal O Estado de S.Paulo publicou entrevista em que o ex-ministro disse ter avisado Temer de uma suposta ameaça de Geddel para demitir a presidente do Iphan. Calero não atendeu a reportagem ontem para explicar quando foi essa conversa com o presidente.

O líder do PT na Câmara, Afonso Florence (BA), disse que, a partir de hoje, vai começar a agir para pedir a convocação de Calero. A ideia é que sejam feitas apuracões na Procuradoria-Geral da República e na própria Comissão de Ética, que analisará o caso hoje. Ele destacou o fato de Temer ter sido avisado, segundo o ex-titular da Cultura. “A resposta dele é: ‘Eu sou presidente’. Considerando que já houve o caso do ministro da AGU, dizendo-se proibido de investigar ministros na Lava-Jato, Temer tem que promover todas as investigações necessárias ou renunciar ao cargo.”

 

“Assunto pequeno”

Para o líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), Geddel não fez nada de irregular. “Ele apenas levou a posição dele (a Calero). Acho que esta questão está explicada. A oposição está no papel dela, mas isso é um assunto muito pequeno para o momento que estamos atravessando e que temos que contribuir com coisas muito mais importantes para o futuro desse país.”

Fora do Congresso, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa criticou o ministro. “Se Geddel não cair, o governo passa a ideia de que é certo abusar do cargo para conquistar objetivos pessoais”, afirmou o ex-juiz Márlon Reis em redes sociais. “Mais uma demonstração de que a liderança política brasileira não compreende minimamente a diferença entre as esferas pública e privada. Bom lembrar que Geddel foi o mesmo que, semanas atrás, defendeu a anistia para os praticantes de caixa dois.”

 

Entenda o caso

Embargo do 13º para cima

Em 2014, a construtora Cosbat começou a vender 24 apartamentos de luxo no futuro edifício La Vue, de frente para a Baía de Todos os Santos, em Salvador, com previsão de 26 andares. O ministro Geddel Vieira Lima comprou um imóvel no 23º pavimento, onde as residências custam R$ 3,4 milhões. Em 2015, a construção começou. O Iphan da Bahia liberou a obra, apesar das críticas de arquitetos e de defensores do patrimônio histórico tombado. Neste ano, o Iphan Nacional abriu prazo para a defesa. Na semana passada, o órgão negou construções acima do 13º andar a fim de não bloquear a paisagem local.

Geddel Vieira diz que, antes disso acontecer, procurou Marcelo Calero, “duas ou três vezes”, para “acompanhar” o caso porque entendia que o Iphan poderia cometer uma injustiça contra ele e outros condôminos. Calero disse, na sexta-feira, que saiu do cargo por pressões de Geddel. (EM)