Correio braziliense, n. 19538, 22/11/2016. Política, p. 3

Janot defende as 10 medidas

 

Eduardo Militão

 

Sob olhares preocupados do Ministério Público, a comissão especial da Câmara, criada para analisar a proposta de 10 medidas de combate à corrupção, deve votar o relatório do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) sobre o projeto. Ontem à noite, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou que espera que os parlamentares do colegiado saibam “dar uma resposta digna à sociedade”. “Estamos todos cansados dos efeitos da corrupção e da impunidade e desejamos que o Estado brasileiro, por meio do seu parlamento, endosse, em sua decisão amanhã (hoje), o justo anseio social”, disse ele, no auditório da Procuradoria-Geral da República na abertura de um seminário internacional sobre sistema penal acusatório.

Janot criticou também os projetos para supostamente modernizar o Código de Processo Penal. “O projeto deixa a desejar na normatização das nulidades, regula inadequadamente o processo transacional e chega a ser sofrível em matéria internacional”, reclamou. “No que importa para o processo penal acusatório, quase nada avança em relação ao atual Código, datado de 1941.”

O ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso destacou no evento que a corrupção transformou o país em uma “República de Bananas”. “Não há espaço em que você destampe, a Petrobras, o BNDES, os fundos de pensão, a Caixa Econômica... Para uns virou um modo de vida. Não foram desvios individuais, havia uma institucionalização ampla das coisas erradas, democraticamente partidarizadas.” Barroso disse que há um grupo de pessoas que não quer aproveitar o momento da Lava-Jato para mudar o país.

Integrante do grupo de trabalho da Operação Lava-Jato na Procuradoria-Geral da República (PGR), Ronaldo Pinheiro de Queiroz vê com preocupação os movimentos para criar a anistia ao caixa dois na votação do projeto das 10 medidas (leia ao lado). Ele afirma que essa tentativa — denunciada pelo próprio Onyx — é uma reação da classe política às investigações, assim como nova rodada de repatriações de dinheiro no exterior e o projeto para ampliar as punições a investigadores por abuso de autoridade. Para isso, cita o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pediu a prisão do juiz Sérgio Moro porque ele decretou sua condução coercitiva em março.

Depois de uma reunião do MPF com o deputado Onyx, vários deputados se uniram para construir um novo relatório às 10 medidas. Um deles era Carlos Marun (PMDB-MS), aliado de Eduardo Cunha, cassado e preso como consequência do avanço da Lava-Jato. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já disse que aceitaria modificações no projeto, mas afirmou em documento que “é preciso estar atento a tentativas de promover retrocessos que desfigurem a natureza” da proposta.

 

Quatro perguntas para

Ronaldo Pinheiro Queiroz, procurador da República  integrante da força-tarefa da Lava-Jato

 

Qual a avaliação que o MPF faz da tramitação das 10 medidas no Congresso hoje?

No geral, tem-se seguido uma tramitação regular do PL nº 4.850/2016, tendo-se ouvido uma centena de especialistas num ambiente plural e republicano. A criação da comissão especial, muito bem conduzida pelo presidente Joaquim Passarinho (PSD-PA) e pelo relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS), permitiu uma tramitação célere sem perder a profundidade do debate. Contudo, prestes a ser votado o relatório do PL, a sociedade tem se surpreendido com a troca de integrantes da comissão, que não acompanharam todo o debate nos últimos 100 dias. Essas mudanças repentinas e em bloco precisam ser mais bem explicadas à opinião pública.

 

Anistiar o caixa dois é uma reação à Lava-Jato ou aos futuros crimes que ela e outras operações podem descobrir?

Sim. A história recente no Brasil tem demonstrado que os grandes esquemas de corrupção política começam com o financiamento de campanha. Antes se pensava que o empresário financiava regularmente uma campanha para ganhar algum proveito escuso lá na frente, com dispensa ou direcionamento de licitação, em caso de vitória do político financiado, mas a realidade é bem mais trágica. Muitos recursos de financiamento de campanha já são pagamento de propina disfarçada de financiamento oficial ou por meio de caixa dois. São frutos de esquemas consolidados e que se realimentam na geração de recursos de campanha para manutenção de grupos políticos. O caixa dois é uma tipologia clássica de caso de corrupção na Lava-Jato e em outras investigações. Anistiar o caixa dois é anistiar parte dos ilícitos descobertos pela Lava-Jato.

 

Mesmo críticos da Lava-Jato, como Eugênio Aragão, acreditam que o projeto de abuso de autoridade serve para amordaçar os investigadores. Assim como ele, os senhores veem  a participação do ministro Gilmar Mendes nesta proposta?

Para mim é indiferente quem seja o autor da proposta. Não faltam interessados em querer calar o Ministério Público e a magistratura brasileira. O que nos preocupa é que esse tipo de proposta só surge quando as instituições têm agido com independência e eficiência. Quanto maior nossa ação, maior também a reação. Recentemente li que advogados de um denunciado na Lava-Jato pediram a prisão do juiz Sérgio Moro por abuso de autoridade. Imaginem um cenário de uma legislação de abuso de autoridade com tipos demasiadamente abertos (os chamados crimes de hermenêutica). Ninguém conseguiria trabalhar num ambiente desse. A história da Operação Mãos Limpas, na Itália, mostra que a maior reação às instituições de combate à corrupção foi no plano legislativo. Tomara que esse mesmo roteiro não aconteça no Brasil. Somente a sociedade tem o poder de conter esse tipo de prática.

 

Com o projeto, Lula conseguiria ver Sérgio Moro preso?

Os tipos penais são tão abertos que poderiam ensejar...Não posso afirmar que ele conseguiria a prisão do Moro, mas poderia enquadrar os colegas da Lava-Jato com mais facilidade (em crime de abuso de autoridade).