À procura de Renan

Lei é lei

07/12/2016

 

 

Oficial de Justiça que tentou por dois dias notificar o presidente do Senado do afastamento do cargo enfrentou mentiras e evasivas de assessores, além de uma espera de quatro horas

 

 

Foi uma longa espera. Mas em vão. O oficial de justiça do Supremo Tribunal Federal (STF) Wessel Teles de Oliveira tentou por duas vezes, sem êxito, notificar o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), da decisão que determinava seu afastamento do comando do Senado. A primeira, anteontem à noite, na residência oficial. A segunda, no gabinete da presidência do Senado, onde o oficial tomou um “chá de cadeira” de mais de quatro horas.

Ele teve que desistir da notificação depois de receber de um assessor da presidência da Casa cópia do documento com a decisão da Mesa Diretora de não assinar a notificação e não tomar qualquer atitude até que o plenário do Supremo decida sobre os recursos impetrados para anular a decisão monocrática do ministro Marco Aurélio Mello.

O oficial saiu do gabinete de Renan balançando a cabeça, demonstrando incredulidade, com a notificação sem assinar dentro da pasta.

— Não sei o que vai acontecer agora, mas Renan não vai ser preso. Isso às vezes acontece no meu trabalho — disse Oliveira.

Mais tarde, o oficial relatou formalmente ao STF o que aconteceu. Ele contou que, primeiro, uma assessora do senador mentiu na noite de segunda-feira, ao dizer que Renan não estava na residência oficial. Segundo Oliveira, fotos publicadas pelos jornais, inclusive O GLOBO, mostravam que Renan estava na casa naquele momento. O próprio oficial relata que podia ver o presidente do Senado quando recebeu a informação de que ele não se encontrava.

“Uma assessora veio ao meu encontro e afirmou que o senador Renan Calheiros não se encontrava na residência. Ato imediato, afirmei que a informação não corresponderia à verdade, uma vez que conseguiria apontar para a figura do senador caminhando em sentido oposto ao meu”, explicou Oliveira, no ofício ao STF.

Segundo o secretário-geral da Mesa do Senado, Bandeira de Melo, Renan alegou que, pela lei, não se pode receber notificação judicial após as 18h. Perguntado sobre como Renan reagiu à decisão do ministro do Supremo, o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, disse que ele estava calmo.

— Normalíssimo, frio, tranquilo — descreveu.

Ontem, Oliveira tentou notificar Renan, mas ele se recusou a receber o aviso oficial. Também não conseguiu cumprir o mandado de notificação dirigido ao primeiro secretário da Mesa do Senado, senador Vicentinho Alves, e ao senador Jorge Viana (PT-AC), que deveria assumir a Presidência do Senado. Renan tinha marcado receber a notificação às 11h, mas só uma hora depois deixou a residência oficial, onde estava reunido com os senadores José Sarney (PMDB-AP) e Jorge Viana. Ele chegou ao Senado às 12h10m, acompanhado de Viana e da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO).

Oliveira relatou que ficou aguardando Renan por quatro horas, tempo em que foi submetido “a toda ordem de tratamento evasivo dos assessores”. Depois, quando insistiu, recebeu um documento informando que Renan não receberia a notificação. O oficial de Justiça também informou a Marco Aurélio Mello que o primeiro secretário da Mesa do Senado, Vicentinho Alves, se recusou a assinar a notificação. Ele afirmou que foi até o gabinete do senador às 10h e que foi informado de que Vicentinho estaria na presidência do Senado para tomar ciência do documento às 11h. Depois disso, contou que esperou por quatro horas, descrevendo que de novo foi submetido “a toda ordem de tratamento evasivo de assessores”, que não davam nenhuma informação concreta sobre onde estaria o senador. Só depois das 15h, narra o oficial, foi informado que a Mesa do Senado se recusara a assinar a intimação.

Um dos mandados de notificação iria para o senador Jorge Viana, que deveria assumir a presidência do Senado no lugar de Renan. Viana também se negou a assinar o mandado, segundo o oficial. O servidor também afirma que esperou o senador por quatro horas, e que só depois de “certa insistência” obteve a informação de que a Mesa não assinaria o documento.

 

“Não sei o que vai acontecer agora, mas Renan não vai ser preso. Isso às vezes acontece no meu trabalho”

Wessel Teles de Oliveira

Oficial de justiça que tentou notificar Renan sem sucesso

 

 

O globo, n. 30438, 07/12/2016. País, p. 04.