Reforma ampla na Previdência

Geralda Doca, Ana Paula Ribeiro e João Sorima Neto

07/12/2016

 

 

Idade mínima de 65 anos e tempo maior de contribuição poderão economizar R$ 738 bi

 

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- O governo federal apresentou ontem formalmente ao Congresso Nacional e à sociedade a proposta de emenda constitucional (PEC) 287, que altera as regras para solicitação de aposentadoria e benefícios previdenciários, afetando cerca de 73 milhões de trabalhadores brasileiros. Excluindo os militares, cujo regime será tratado futuramente em legislação separada, a reforma unifica as regras vigentes para trabalhadores do setor privado e para os servidores públicos dos três poderes, nas três esferas de governo, e institui idade mínima de 65 anos para entrada com o pedido de aposentadoria, com obrigatoriedade de ao menos 25 anos de contribuição previdenciária. A reforma vale integralmente para homens de até 50 anos e mulheres de até 45 anos na data de promulgação. Para os mais velhos, será dada a a opção de aposentadoria pelas regras atuais, com pedágio de 50% sobre o tempo que falta para requerer o benefício. Ficam extintos os regimes especiais de professores, policiais e bombeiros (dragas nas finanças estaduais), que terão regras de transição próprias. Se aprovada no início do segundo semestre do ano que vem, como prevê o governo, a PEC vai gerar uma economia de R$ 738 bilhões na década a começar em 2018, nos cálculos do Ministério da Fazenda.

Nos últimos anos, a Previdência Social entrou em trajetória insustentável e se converteu em um dos principais focos de pressão sobre as combalidas contas públicas, nos três níveis de governo. Segundo projeções oficiais, só a despesa do INSS atingirá R$ 1,269 trilhão em 2027, com um rombo de R$ 409,3 bilhões, sem considerar as mudanças. No ano passado, o déficit do INSS ficou em R$ 86 bilhões. Ele está estimado em R$ 149,2 bilhões em 2016 e em R$ 181,2 bilhões, em 2017. O regime próprio da União fechou o ano passado com rombo de R$ 35,5 bilhões, e o das Forças Armadas, que não foram incluídas na reforma, mais R$ 32,5 bilhões.

Para se ter uma ideia da extensão da reforma, um homem com 46 anos de idade e 26 de contribuição, por exemplo, poderia se aposentar pelas regras atuais aos 55 anos de idade e 35 anos de contribuição. Com a reforma, ele terá de trabalhar e contribuir mais dez anos para atingir os 65 anos. Esta idade mínima vai ser ajustada gradualmente de acordo com o aumento da expectativa de sobrevida dos trabalhadores. Isso sem precisar de alteração na PEC. O governo já prevê dois aumentos até 2060.

Para não prejudicar quem está próximo da aposentadoria, os trabalhadores que têm mais de 50 anos (homem) ou mais de 45 anos (mulheres) serão enquadrados na regra de transição, pagando pedágio de 50% (adicional sobre o tempo que faltava) para requerer o benefício pelas normas atuais, como a chamada fórmula 85/95. Dessa forma, se faltam cinco anos para o direito à aposentadoria, o trabalhador terá que permanecer na ativa por dois anos e meio a mais (sete anos e meio no total).

Duras, as regras — que significam o fim da aposentadoria exclusivamente por tempo de contribuição — não foram bem recebidas pelas centrais sindicais. No Congresso, antecipam-se mudanças em algumas propostas para facilitar sua aprovação. Os especialistas em Previdência, porém, em linhas gerais aprovaram o texto, afirmando que a reforma trata-se de um “mal necessário”. A inclusão do setor público foi um dos pontos elogiados. Alterações em benefícios sociais foram vistas com preocupação.

Os militares não entraram na reforma porque as Forças Armadas fizeram forte pressão sobre o Palácio do Planalto. Eles alegaram que têm uma função distinta dos demais servidores públicos e que têm desvantagens, como, por exemplo, a impossibilidade de fazer greve (são presos).

Para o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), presidente da Força Sindical, caso o governo não negocie mudanças no texto, isso será o “combustível perfeito” para se convocar uma greve geral. As centrais vão apresentar contrapropostas para itens como a idade mínima de 65 anos e a mudança na forma de calcular o benefício.

O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, chamou de “uma atrocidade contra os trabalhadores brasileiros” as propostas. Freitas disse que a reforma atinge especialmente os trabalhadores mais pobres, que ingressam no mercado de trabalho aos 14 anos:

— O filho de quem tem mais condições começa trabalhar depois da faculdade. Mas o (presidente Michel) Temer acha que é a mesma coisa. Isso não é justo. O mesmo vale para homens e mulheres. As mulheres ganham menos, tem a questão da dupla jornada e, na hora da aposentadoria, tem esse presente de igualar a idade mínima (65 anos). Não concordamos de jeito nenhum.

Antecipando a resistência, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou ontem em palestra na União Geral dos Trabalhadores (UGT), em São Paulo, que a reforma é necessária para garantir o equilíbrio das contas públicas e o futuro pagamento de aposentadorias, mas argumentou que o texto é apenas uma proposta, a ser debatida pela sociedade com o Congresso, visando ao longo prazo.

De acordo com ele, as queixas sobre a regra de transição são compreensíveis, mas isso foi feito com base nas expectativas demográficas.

— Falam da regra de transição, em que o trabalhador vai ter que contribuir um pouco mais de tempo. Mas isso é porque a reforma já deveria ter sido feita. Agora o importante é que o país todo precisa assegurar a Previdência — explicou Meirelles. — O país tem que crescer, mas, para isso, é preciso colocar as finanças públicas em ordem. Temos assegurar isso.

Ao detalhar a PEC, o secretário de Previdência da Fazenda, Marcelo Caetano, enfatizou que a reforma não mexe com direitos adquiridos:

— O primeiro grande princípio da reforma é o total e completo respeito a qualquer direito adquirido. Nada se altera para as pessoas que já recebem suas aposentadorias e pensões e para aqueles que ainda não se aposentaram, mas já completaram (ou vão completar) as condições de acesso à aposentadoria e pensão até a data em que a PEC for promulgada (que poderão seguir as regras atuais, com pedágio de 50%).

 

INTEGRAL, SÓ COM 49 ANOS DE CONTRIBUIÇÃO

O ponto central da reforma é esticar a permanência dos brasileiros no mercado de trabalho, ampliando o período de contribuição. Como efeito colateral, terão de ter muitos anos na ativa, com contrato formal, para melhorar o valor da aposentadoria e chegar ao benefício integral. Quanto mais cedo tiver começado a trabalhar, mais o trabalhador sentirá os efeitos da reforma.

O valor do benefício será determinado a partir do equivalente a 51% do valor médio das 80 remunerações mais elevadas desde 1994, acrescido de 1 ponto percentual para cada ano de contribuição previdenciária. Dessa forma, quem começou a trabalhar aos 16 anos de idade, terá de contribuir por nada menos que 49 anos para ter acesso à aposentadoria integral, de R$ 5.189.

O texto sugere uma espécie de escadinha, de forma que quem chegar aos 65 anos tendo contribuído por 25 anos terá direito a 76% do valor do benefício, com 26 anos de recolhimento, a 77%, com 40 anos, a 91% e só com 49 anos o benefício seria integral.

Colaborou Letícia Fernandes

 

DEZ GRANDES MUDANÇAS
 

 

1 - APOSENTADORIA UNIFICADA

Unifica os regimes de aposentadoria do setor privado e do serviço público nas três esferas de Poder dos três níveis de governo, que passam a ter as mesmas regras. Os sistemas de transição, porém, serão diferentes

 

2 - IDADE MÍNIMA

Institui idade mínima de 65 anos para os brasileiros darem entrada na aposentadoria, tanto para homens quanto para mulheres. Além disso, o trabalhador tem que, nesta idade, ter ao menos 25 anos de contribuição

 

3 - REGRAS DE TRANSIÇÃO

Homens acima de 50 anos e mulheres acima de 45 anos serão enquadrados nas regras de transição desde que paguem pedágio de 50% sobre o tempo que falta para a aposentadoria na regra atual, pela qual é preciso ter 35 anos de contribuição (homem) e 30 anos (mulher). Assim, um ano vira um ano e meio, por exemplo

 

4 - MUDANÇA NO CÁLCULO

O valor do benefício será determinado a partir do equivalente a 51% do valor médio das 80 remunerações mais elevadas registradas desde 1994, acrescido de 1 ponto percentual para cada ano de contribuição previdenciária. A aposentadoria integral demandará 49 anos de contribuição

 

5 - REGIMES ESPECIAIS

Acabam os regimes especiais de aposentadoria de professores, policiais civis, PMs e bombeiros. Haverá regras de transição específicas para cada um dos grupos

 

6 - APOSENTADORIA INTEGRAL

Acaba a aposentadoria integral para novos servidores públicos, que estarão submetidos ao teto do INSS. Os estados terão de criar fundos de previdência complementar ou aderir ao fundo dos servidores federais (Funpresp)

 

7 - LEGISLATIVO

Futuros senadores, deputados (federais e estaduais) e vereadores seguirão o novo regime (idade, contribuição e teto). As regras de transição para os atuais parlamentares serão definidas pelos respectivos Legislativos

 

8 - BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS

Fica proibida a acumulação de benefícios previdenciários. Uma viúva aposentada não poderá receber a pensão do marido. Terá de optar entre um e outro, mas pode rever a escolha se, adiante, achar a outra opção mais vantajosa

 

9 - TRABALHADOR RURAL

O trabalhador rural, que hoje apenas comprova a atividade no campo para requerer o benefício aos 60 anos (homem) e 55 anos (mulher), terá de contribuir ao INSS por 25 anos e cumprir idade mínima de 65 anos

 

10 - PENSÃO POR MORTE

Mudam as regras da pensão por morte, que deixará de ser integral e vinculada ao reajuste do salário mínimo. A Loas também não seguirá o piso, e a idade de acesso subirá para 70 anos . Já a aposentadoria por invalidez passará a ser proporcional

 
 
 
O globo, n. 30438, 07/12/2016. Economia, p. 23.