Governo recua. e PMs e bombeiros ficam fora da reforma

Geralda Doca, Bárbara Nascimento, Simone Iglesias e Letícia Fernandes

08/12/2016

 

 

Benefício e pensão poderão ser acumulados. Planalto não quer se indispor em momento de tensão política

 

-BRASÍLIA- Um dia depois de anunciar sua proposta de reforma da Previdência, o governo já fez o primeiro recuo. Após reunião com o ministro da Defesa, Raul Jungmann, o presidente Michel Temer comunicou ontem à equipe econômica que bombeiros e policiais militares ficarão de fora das mudanças. Além disso, essas duas categorias, além das Forças Armadas, poderão acumular benefícios como aposentadorias e pensões.

Na terça-feira, quando anunciou a reforma, o governo distribuiu uma versão da proposta pela qual ficavam vedados o recebimento de mais de uma pensão por morte ou o acúmulo de benefícios para todos os trabalhadores, sem exceção. No entanto, a versão oficial da emenda excluiu as três categorias dessa restrição.

Bombeiros e policiais militares são beneficiados por regimes especiais e têm forte impacto sobre as contas dos estados. Por isso, a proposta de emenda constitucional (PEC) da reforma era abrangente e só deixava de fora as Forças Armadas. No entanto, diante de pressões políticas, o Planalto decidiu deixar bombeiros e PMs para serem tratados num projeto à parte.

Nos bastidores, interlocutores do Palácio do Planalto admitiram que o governo não quer correr o risco de se indispor com esses servidores num momento de tensões políticas, em que ocorrem manifestações nas ruas do país.

Oficialmente, o Palácio informou que o que houve foi apenas um engano e que bombeiros e PMs não deveriam ter entrado no texto final da PEC. No entanto, por um erro, a versão enviado ao Congresso foi a que incluía as duas categorias na reforma.

Embora tenham um peso significativo nas contas da Previdência, os militares têm, historicamente, ficado livres das mudanças nas regras de aposentadoria. Assim como nos governos Fernando Henrique e Lula, a nova reforma proposta não inclui as Forças Armadas.

 

MILITARES: JUNGMANN DIZ QUE DÉFICIT É MENOR

Segundo a secretaria de Previdência, o déficit previdenciário dos militares é de quase R$ 33 bilhões, considerando a diferença entre o que eles recebem com reservas, reformas e pensões. Isso representa quase 45% do rombo da Previdência da União. Entre os civis, a conta é de R$ 40 bilhões. Por terem passado ao largo das outras reformas, o déficit das Forças Armadas deve avançar de forma mais rápida que o civil, estima o consultor de Orçamento da Câmara Leonardo Rolim.

— Eles ainda possuem muitos privilégios, que vêm desde a década de 1990. Além disso, possuem um contingente elevado. Pela quantidade de servidores, parece que vivemos em um país em guerra — afirmou o Rolim.

Para o especialista, o ideal seria que todas as categorias fossem tratadas no mesmo pacote, sob risco de atrapalhar a tramitação e dificultar o debate. Ele acredita que os líderes sindicais não vão aceitar que uma fatia de peso no déficit previdenciário seja tratada de forma separada e corra o risco de ficar de fora do arrocho. A insegurança é maior ainda porque não há previsão de envio do projeto de lei ao Congresso.

— Se o governo realmente mandar o projeto de lei de forma que a tramitação ocorra em conjunto, minimiza o problema. Se não, acho difícil avançar na reforma — afirmou.

Para Raul Velloso, especialista em contas públicas, o ideal seria reunir tudo num ato só:

— Se o governo separa um segmento ou um ente, fica mais difícil aprovar qualquer medida, porque isso sempre suscita reações contrárias.

Ontem, Jungmann saiu em defesa da categoria e afirmou que os militares não são responsáveis pelo déficit da Previdência e não recebem tratamento diferenciado. Ele afirmou que as Forças Armadas serão englobadas numa segunda etapa da reforma, prevista, segundo ele, para 2017. Ele ainda argumentou que o déficit militar é menor do que o veiculado nos relatórios do governo:

— Dizem que os militares contribuiriam com 45% do déficit da Previdência, isso não é verdade. Inclusive isso está sendo corrigido. Eu recebi a informação da Secretaria do Orçamento. Na verdade, o déficit real é de R$ 13 bilhões.

 

RELATÓRIO FAVORÁVEL NA SEGUNDA-FEIRA

Segundo a assessoria do Ministério da Defesa, o órgão já obteve parecer favorável da Secretaria do Orçamento para destrinchar os valores da previdência militar a partir de 2017. Assim, deixariam de entrar na conta militares reformados ou da reserva, o que provocaria a queda nos valores.

O deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), escolhido relator da PEC da reforma na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, disse ontem que dará parecer pela admissibilidade da PEC e que vai ler o seu relatório na segundafeira que vem. Ele afirmou que não entrará no mérito da matéria, mas que apenas dirá que o texto é constitucional e tem base regimental.

Ele contou que a expectativa do governo Temer é mesmo só votar a admissibilidade da matéria ainda este ano, mas disse que é importante apresentar logo o relatório para que os parlamentares e a sociedade comecem a discutir a matéria o quanto antes. Superada a fase da CCJ, será criada uma comissão especial para discutir a proposta na Casa.

Horas antes do recuo do governo em relação aos PMs e bombeiros, o deputado Arthur Maia (PPS-BA), escolhido relator na comissão especial que será criada para analisar a PEC, disse que se reuniu com Temer na última segunda-feira e ambos comentaram da necessidade de não “se abrir a porteira para exceções”, o que seria muito “tentador” diante das pressões. Mas, caso isso ocorra, avalia, a reforma ficaria comprometida.

— Sabemos que as tentações são grandes para que haja excepcionalidade, mas a gente não pode abrir a porteira para exceções. Onde passa boi passa boiada. E se passar um, meu amigo... — disse Arthur Maia.

 

 

O globo, n. 30439, 08/12/2016. Economia, p. 21.