Previdência privada ganhará mais espaço

Ana Paula Ribeiro

08/12/2016

 

 

Especialistas ressaltam que aplicação é complemento à renda, pois não cobre benefícios como auxílio-doença

 

-SÃO PAULO- As regras mais duras da proposta de reforma da Previdência fizeram crescer entre os brasileiros o temor de não conseguir assegurar renda suficiente na aposentadoria, o que colocou em posição de destaque a previdência complementar como uma alternativa para o futuro. Essa maior preocupação dos brasileiros se refletiu na captação dos fundos de previdência este ano, à medida que as discussões sobre a reforma se intensificaram: até novembro, o crescimento foi de 17,6%, com R$ 38 bilhões em depósitos, o segundo recorde consecutivo. No entanto, é preciso ressaltar que esses fundos têm um caráter complementar. Apenas quem recolhe a contribuição ao INSS tem direito a outros benefícios da Previdência oficial, como auxílio-doença e licença-maternidade.

Na maior parte dos planos de previdência privada disponíveis no mercado, o beneficiário faz aportes mensais e, a partir de uma determinada data, passa a receber um valor preestabelecido na contratação do plano. Esses planos são uma boa opção tanto para os trabalhadores autônomos como para quem tem renda acima do teto do INSS (hoje em R$ 5.189,82) e quer manter seu padrão de vida depois da aposentadoria. Mas se o contratante tiver um problema de saúde antes do prazo definido para começar a receber o benefício, não terá cobertura. E só receberá o auxílio-doença previsto pelo sistema público se contribuir para o INSS.

— A previdência complementar é para o cidadão manter o seu poder de compra no futuro, em especial quem ganha mais que o teto. Já no sistema público, a tendência é que o benefício seja para garantir a sua subsistência, mesmo em um período afastado do trabalho. Por isso, os dois se complementam — explica Paulo Valle, diretor-presidente da Brasilprev.

Esses benefícios adicionais, ressaltam especialistas, tornam indispensável a contribuição para o sistema público. Por outro lado, eles reconhecem que o aumento do tempo de contribuição previsto na reforma estimula as pessoas a buscarem essa complementariedade, que pode ser resgatada antes mesmo da aposentadoria oficial.

 

SETOR DEVE AMPLIAR PRODUTOS

No sistema privado, o cálculo da contribuição é feito com base na expectativa de vida da pessoa e nos vencimentos que ela quer ter no futuro. Os recursos são aplicados mensalmente e resgatados ao fim do período contratado. Já no INSS, o que ocorre, na prática, é que quem está na ativa paga os benefícios dos aposentados e outros beneficiários (pensionistas, por exemplo) e não há incorporação de rendimentos sobre as contribuições mensais — que são descontadas da folha de pagamento e podem chegar a R$ 570,88 ao mês.

Simulações disponíveis no site da Brasilprev mostram que, para ter uma renda vitalígramada cia equivalente ao teto do INSS, de R$ 5.189,82, seria necessário, a partir dos 20 anos, fazer um aporte mensal de R$ 1.060, no caso dos homens, durante 35 anos. Para as mulheres, seria de R$ 1.680, por 30 anos. Um valor elevado se comparado ao teto da contribuição do INSS, de R$ 570,88.

As contribuições são acumuladas com uma rentabilidade líquida real (descontada a inflação) de 5% ao ano, em média — atualmente supera 6% —, de modo a assegurar a renda propara o futuro. No caso de se contribuir por 49 anos, como será necessário para receber o teto do INSS, a mensalidade de um plano de previdência privada cairia para R$ 355, para os homens, e R$ 375, no caso das mulheres. Embora os prazos de contribuição sejam iguais, o valor cobrado das mulheres é maior porque elas têm uma expectativa de vida superior à dos homens.

— Se você vai viver mais, vai contribuir mais, ou terá uma renda menor — diz Valle.

Fernanda Pasquarelli, Superintendente de Vida e Previdência da Porto Seguro, observa que, mesmo antes de a proposta de reforma da Previdência ser apresentada, os clientes já vinham demonstrando maior interesse em fazer um plano complementar. O número de novas propostas recebidas pela empresa cresceu 58% neste ano.

— Nossa pirâmide demográfica está mudando. Isso já aconteceu em outros países. A expectativa é que mais idosos precisam ser sustentados, ou seja, receber um benefício mensal, em um ambiente com menos gente contribuindo — afirma Fernanda.

Ela considera que a maior procura por planos de previdência privada e o temor da perda de direitos no sistema público devem levar o setor de fundos complementares a oferecer coberturas adicionais, tornando-se mais do que um reforço na renda futura.

Como exemplo, ela cita a extensão do benefício ao cônjuge. Diferentemente do sistema público, a contratação de uma previdência complementar contempla, na maior parte dos casos, uma renda vitalícia apenas para o titular. No caso da Porto Seguro, há um opcional (ou seja, haverá uma cobrança adicional por isso) que prevê o pagamento desses valores mensais ao parceiro em caso de morte. Ainda assim, o benefício é limitado a R$ 7 mil, por até 20 anos.

— Ter novos produtos será uma consequência do amadurecimento do mercado. Com a reforma, haverá uma necessidade maior de proteção — diz Fernanda.

Para Carlos Ambrósio, vice-presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), é cada vez maior a percepção do trabalhador de que não é possível contar apenas com o sistema público. Por essa razão, o sistema complementar deve continuar a crescer. Nos últimos 12 meses, o patrimônio desses fundos cresceu 22,1%, para R$ 596,9 bilhões.

— Esse aumento mostra a percepção cada vez maior de que é necessário fazer uma poupança de longo prazo. O investidor tem a consciência de que só a previdência pública não será suficiente — afirma Ambrósio, lembrando que isso ocorreu em outros países, como Chile e México.

 

 

O globo, n. 30439, 08/12/2016. Economia, p. 23.