Correio braziliense, n. 19540, 24/11/2016. Política, p. 2

O furacão Odebrecht

 

Eduardo Militão

 

Uma reunião entre advogados do grupo Odebrecht e procuradores do Ministério Público definiu os “últimos detalhes” do acordo de colaboração premiada dos acionistas e executivos da empreiteira e de leniência do conglomerado empresarial. Na pauta estava, principalmente, a assinatura dos acordos.

Como a colaboração vai envolver o presidente da Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht, e quase 80 executivos, o processo deve demorar ainda mais. Só para assinar, afirmaram pessoas ligadas às negociações ouvidas pelo Correio, seriam necessários vários dias. Marcelo está preso no Paraná há 524 dias, desde que foi detido na Operação Erga Omnes, a 14ª fase da Lava-Jato.

Só depois de assinado, é que é possível a homologação, a ser feita pelo ministro-relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki. Isso porque os executivos vão denunciar o pagamento de propinas a políticos com direito a foro privilegiado, como ministros e parlamentares. A expectativa é que as acusações atinjam quase 100 autoridades e políticos de praticamente todos os grandes partidos.

A reunião dos advogados com investigadores ocorreu na Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília, um dia depois de a 2ª Turma do STF negar recurso da defesa de Marcelo Odebrecht para que ele fosse solto. A decisão tinha a possibilidade, embora remota, de atrapalhar o acordo. Como mostrou o Correio em 8 de novembro, Teori negou pedido da própria defesa do empreiteiro para desistir do recurso. Os advogados de Marcelo argumentaram que o Ministério Público pediu a desistência a fim de colaborar com as cláusulas do pacto de ajuda mútua com os investigadores. Não adiantou. Teori afirmou que não havia previsão legal para isso. E afirmou também que o habeas corpus estava em fase final.

Desde que iniciou tratativas para a colaboração, no primeiro semestre deste ano, Marcelo Odebrecht deixou o Complexo Médico Penal em Pinhais (PR) e passou a ficar em uma cela na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. De lá, presta informações aos investigadores, que vão montando os “anexos” da colaboração dele, espécie de resumos do que pretende contar.

Marcelo Odebrecht cumpre pena de 19 anos de cadeia por corrupção ativa apenas em um processo judicial, fora outros na Lava-Jato. Pelo acerto com os procuradores, todas as suas condenações, inclusive as futuras, não passariam de 10 anos de prisão. No entanto, ele só ficaria em regime fechado durante três anos. O restante cumpriria em regimes menos graves, como detenção domiciliar com uso de tornozeleira.

Como são mais de 50 executivos e funcionários da Odebrecht que devem participar do acordo como delatores ou informantes, os depoimentos devem ser feitos, inicialmente, por escrito pelos próprios autores e entregues à PGR. Num segundo momento, as testemunhas deverão comparecer para confirmar o que disseram e esclarecer detalhes.

Muitas das 70 delações da Lava-Jato só foram homologadas depois que os depoimentos estavam prontos. É o caso do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef. No entanto, executivos da Andrade Gutierrez — outra grande empreiteira como a Odebrecht — fecharam o acordo primeiro, receberam a homologação da Justiça e só depois passaram a prestar testemunhos. A lógica da empresa de Marcelo Odebrecht pode ser essa, avaliam fontes do caso.

 

Contas no exterior

A descoberta de contas no exterior e de um departamento de contabilidade e pagamento de propina na Odebrecht foram duas das principais causas que levaram a empresa a optar pela colaboração com os investigadores.

Empresas abertas no Panamá e nos Estados Unidos mantinham contas em países europeus, como a Suíça. Documentos obtidos pela Lava-Jato mostram que essas firmas pertenciam à Odebrecht. Essas contas remetiam dinheiro para ex-funcionários da Petrobras que confessaram obter propinas em troca de negócios na estatal. No Brasil, o Setor de Operações Estruturadas escriturava pagamentos vinculados a obras e a agentes públicos, que recebiam um codinome e um endereço para entrega de dinheiro vivo. Em nota, a empresa informou que não se manifestará sobre “eventual negociação com a Justiça”.

 

Entenda o caso

Altas cifras

Há apenas um ano, a Odebrecht negava todas as imputações e afirmava “veementemente” que não havia pagamentos de propina e obtenção de contratos de forma fraudulenta em relação aos negócios que mantinha “havia décadas” com a Petrobras. Porém, desde março, a maior empreiteira do Brasil tenta um acordo de colaboração e leniência.

Historicamente, a Odebrecht é uma das grandes financiadoras de campanhas eleitorais do país.  Laudo da Polícia Federal indica que o grupo também era o maior fornecedor da Petrobras com R$ 35,59 bilhões recebidos por contratos entre 2004 e 2014. A soma de propinas, superfaturamentos e danos giravam entre 3% e até 20% dos contratos do esquema. Por isso, a Polícia Federal estimou que, sozinha, a Odebrecht tenha causado um prejuízo de R$ 1 bilhão a R$ 7,1 bilhões à estatal.

As cifras representam cerca de 15% de todas as perdas da petroleira no período, que ficaram entre R$ 6,5 bilhões e R$ 42,9 bilhões, de acordo com a análise de dados do laudo da PF.

Por conta das altas somas envolvidas, a expectativa é que a Odebrecht pague uma multa bilionária como parte dos acordos de colaboração premiada e leniência. Para se ter ideia, a Andrade Gutierrez e a Camargo Corrêa, denunciadas no mesmo esquema como a segunda e a terceira “campeãs” nas fraudes, acertam o pagamento de R$ 1 bilhão e R$ 700 milhões, respectivamente. No caso da Odebrecht, as negociações partem de valores acima disso, chegando a  superar os R$ 5 bilhões como multa pecuniária.

A empresa ainda é alvo de outras operações policiais, como a Janus e a Acrônimo, em Brasília. Para delegados da PF e procuradores do Ministério Público, as subsidiárias da empresa no exterior foram beneficiadas com financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em troca, cometeu diversos crimes. Dois dos citados são contratos com empresas de familiares do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou repasses de propinas em dinheiro vivo para o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel. Os dois políticos do PT negam as acusações.  (EM)