Correio braziliense, n. 19534, 18/11/2016. Política, p. 2

Cabral é fisgado pela Lava-Jato

Em desdobramento das investigações do petrolão, o ex-governador do Rio é preso sob a acusação de liderar um esquema que desviou R$ 224 milhões de obras no estado. Mais nove pessoas foram detidas durante a operação

Por: Eduardo Militão

 

A Polícia Federal prendeu o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB), acusado de liderar um esquema que desviou R$ 224 milhões a partir de obras bancadas com recursos da União. Ele foi detido por ordens dos juízes Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, e Sérgio Moro, da 13ª Vara de Curitiba. A Operação Lava-Jato uniu as forças-tarefas e deflagrou a 37ª fase, apelidada de Calicute e Descobridor, uma referência às grandes navegações portuguesas e à história de Pedro Álvares Cabral (1467-1520). Foram oito prisões preventivas e duas temporárias, incluindo ex-assessores do ex-governador, e a condução coercitiva de 14 pessoas. Entre elas, a ex-primeira-dama Adriana Ancelmo.

Moro afirmou em seu despacho que não era possível, diante da crise financeira no Rio, manter os suspeitos livres. “Essa necessidade se faz ainda mais presente diante da notória situação de ruína das contas públicas do Governo do Rio de Janeiro”, afirmou. “Constituiria afronta permitir que os investigados persistissem fruindo em liberdade do produto milionário de seus crimes, inclusive com aquisição, mediante condutas de ocultação e dissimulação, de novo patrimônio, parte em bens de luxo, enquanto, por conta de gestão governamental aparentemente comprometida por corrupção e inépcia, impõe-se à população daquele estado tamanhos sacrifícios, com aumentos de tributos e corte de salários e de investimentos públicos e sociais. Uma versão criminosa de governantes ricos e governados pobres.”

Bretas, que ordenou as prisões no dia 9, um dia antes de Moro, lembrou que “os casos de corrupção não podem ser tratados como crimes menores, pois a gravidade de ilícitos penais não deve ser medida apenas sob o enfoque da violência física imediata”. “Note-se ainda que, com a corrosão dos orçamentos públicos, depreciados pelo ‘custo-corrupção’, toda a sociedade vem a ser chamada a cobrir seguidos ‘rombos orçamentários’”, criticou. “Aliás, exatamente essa é a razão que levou o governador do estado do Rio de Janeiro em exercício a decretar, em 17 de junho deste ano, o estado de calamidade pública devido à crise financeira. E esta situação não se dá apenas neste estado, mas em praticamente todos os entes desta Federação.”

Quando Cabral foi levado para a PF no Rio e para o presídio de Bangu, manifestantes comemoraram a detenção. Alguns estouraram fogos e abriram espumante na porta da penitenciária. O Correio procurou o advogado do ex-governador, mas Ary Berger não retornou os contatos feitos por telefone e mensagens. Os demais investigados não foram localizados.

 

Mensalidade

De acordo com executivos da Andrade Gutierrez (AG) e da Carioca Engenharia, que fizeram colaboração premiada com a Lava-Jato, o grosso das propinas para Cabral era pago em espécie. Rogério Nora de Sá, ex-presidente da construtora AG, disse que se reuniu com o ex-governador em 2011 e acertou repassar R$ 350 mil por mês ao peemedebista por causa da obra de terraplanagem no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), da Petrobras.

O diretor-geral da empreiteira, Clóvis Renato Numa Primo, afirmou que o trato era de 1% do valor do contrato. Segundo ele, a propina foi paga em espécie durante a obra para Carlos Miranda, um representante do então governador que também acabou preso ontem. As propinas também envolveram a reforma do Maracanã, palco da final da Copa do Mundo de 2014. Ainda houve fraudes no PAC Favelas e nas obras do Arco Metropolitano, parcialmente bancadas ou financiadas com recursos federais.

O superintendente da AG, Alberto Quintaes, afirmou que o suborno na obra do Mergulhão de Duque de Caxias era de 5%. Na reforma do Maracanã para os Jogos Pan-Americanos de 2007, era de 7%. Obras em Manguinhos também geraram pagamentos de corrupção. Ele exibiu planilhas com a contabilidade de propina para Cabral. O ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa já havia denunciado o ex-governador e reafirmou o repasse de subornos para ele em depoimento em 4 de outubro passado: disse que Cabral determinou em uma reunião que as propinas fossem entregues a Wilson Carlos, outro detido por ordem de Bretas e Moro.

Documentos mostram que Carlos Miranda esteve na sede da AG em São Paulo em 14 de outubro de 2008, “na mesma data em que Alberto Quintaes e, na qual, segundo o último, teria sido entregue dinheiro a ele em espécie”, anotou Sérgio Moro. De agosto de 2011 a julho de 2012, Quintaes fez 234 ligações para Miranda, 14 para Cabral e 5 para Wilson Carlos, diz a quebra de sigilos telefônicos dos investigados. “Tais ligações e contatos corroboram, em certa medida, os relatos dos executivos da Andrade Gutierrez de que teriam pago, periodicamente, vantagem indevida a Sérgio Cabral em decorrência de diversos contratos, entre eles, o contrato obtido pela empreiteira no Comperj”, avaliou Sérgio Moro.

 

Youssef é solto

O doleiro Alberto Youssef deixou a carceragem da Polícia Federal em Curitiba mais de dois anos e meio após ser preso, em 17 de março de 2014, na primeira fase da Lava-Jato. Ele seguiu para a 13ª Vara Federal de Curitiba, onde trabalha o juiz Sérgio Moro, e de lá saiu às 14h20 no carro de seu advogado, Antônio Figueiredo Basto. Por conta dos prazos de seu acordo de colaboração premiada, Youssef não ficará na cadeia durante 122 anos. Em vez disso, vai passar os próximos quatro meses em um apartamento em área nobre de São Paulo. Depois, ficará em liberdade. Não poderá cometer crimes pelos próximos dez anos, sob pena de voltar à cadeia. “É o maior acordo de colaboração desse país, sem o qual a Lava-Jato não chegaria onde chegou”, disse Basto ao comentar a mudança de regime do doleiro. (EM)