Título: O dilema de Marta Suplicy
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Correio Braziliense, 20/11/2011, Política, p. 6

Enfraquecida no Diretório Municipal, a senadora é pressionada a apoiar Haddad ao mesmo tempo em que precisa se reposicionar politicamente. Apesar de ter mandato até 2019, gostaria de voltar à Esplanada, mas esbarra no Planalto

A hegemonia da senadora Marta Suplicy (PT-SP) no Diretório Municipal paulistano ficou comprometida com a confirmação da candidatura do ministro da Educação, Fernando Haddad (PT), à prefeitura de São Paulo sem a necessidade da realização das prévias. Construída ao longo dos últimos 17 anos, mas solidificada com a vitória nas eleições municipais de 2000, a liderança de Marta sai enfraquecida no episódio e a parlamentar vê todos os seus antigos aliados migrarem para um novo polo de poder local — que poderá ser o próprio Haddad, caso ele consiga unificar a legenda de fato, tanto na campanha quanto em uma eventual administração. Assim como fez Marta em 2000.

Os caminhos que Marta seguirá daqui para frente ainda estão indefinidos. Ela tem ainda o capital político dos 8,31 milhões de votos que recebeu para o Senado, onde é vice-presidente. Marta chegou a dizer a interlocutores quando visitou a Casa pela primeira vez, ainda antes da posse, que gostaria de ser "uma fiel escudeira da presidente Dilma no parlamento". Mas mudou de ideia com certa rapidez. Acabou influenciada pelos números das primeiras pesquisas eleitorais, em setembro, que apontaram seu nome com quase 30% das intenções de voto. Acabou também estimulada pelo atual namorado, Márcio Toledo, presidente do Jóquei Clube de São Paulo, amigo do ministro do Esporte, Aldo Rebelo, mas visto com desconfiança pelos petistas.

A grande mudança é a perda de prestígio no Diretório Municipal do PT. "Rui Falcão (presidente do partido), Carlos Zarattini e Jilmar Tatto (deputados federais) e Antonio Donato (presidente do Diretório Municipal do PT em São Paulo) já estiveram ao lado de Marta. Hoje, eles apoiam o Haddad. A migração é clara", disse ao Correio um dirigente petista. "A hegemonia agora vai mudar de mãos", prosseguiu o mesmo cardeal do PT.

O ministro Haddad reforçou ontem que conta com Marta na campanha do ano que vem. Magoada, a senadora resiste em apoiar explicitamente a candidatura. Insiste que o PT errou ao personificar no ministro da Educação o "novo na política". Sua certeza vem da sua interlocução com os mais carentes, decantada por um dos seus antigos aliados. "Quem tem base social no PT somos eu e a Marta", disse o deputado federal Jilmar Tatto, também forçado a retirar a pré-candidatura.

O mandato de senadora termina em 31 de janeiro de 2019. Mas ela nunca escondeu que gostaria de voltar à Esplanada antes disso — já foi ministra do Turismo. Dá pistas de que adoraria assumir o Ministério das Cidades ou da Educação, pastas que devem ficar livres na reforma ministerial de janeiro. Esbarra na presidente Dilma Rousseff. "Preciso que você permaneça no Senado. Você é muito importante para nós lá", disse Dilma a Marta, na Base Aérea de São Paulo, quando lhe pediu que abandonasse a pré-candidatura, em outubro.

Histórico

O fenômeno Marta Suplicy começou a aparecer em 1994. Eleita deputada federal com 76 mil votos, ela foi beneficiada por um vácuo de lideranças petistas na Câmara dos Deputados. José Dirceu candidatou-se ao governo de São Paulo, perdendo para o tucano Mário Covas. Outra estrela petista, Aloizio Mercadante foi para o sacrifício: ser vice de Lula na eleição perdida para Fernando Henrique Cardoso. Marta destacou-se no parlamento e superou algumas resistências internas que a classificavam como "a deputada monotemática em defesa da união homoafetiva".

Quatro anos depois, Mário Covas caminhava para uma reeleição tranquila ao governo de São Paulo. Lula, então, sugeriu: por que não lançar Marta Suplicy como candidata ao governo estadual? Ela surpreendeu os mais otimistas. Quase chegou ao segundo turno. Os olhos políticos do partido começaram a ver com mais carinho e atenção aquela "sexóloga com carreira na televisão e esposa de Eduardo Suplicy". Grupos que até então tinham vida independente do partido enxergaram o potencial político da estrela em ascensão e se aproximaram.

Restava um passo importante, e ele foi dado: Marta separou-se de Eduardo e se casou de maneira estrondosa com Luis Favre, um franco-argentino trotskista, amigo do ex-primeiro-ministro francês Lionel Jospin e uma das grandes lideranças internacionais do PT.

O grande apogeu viria com a vitória na eleição de 2000 para a prefeitura de São Paulo. Marta passou a ser a "queridinha" da sigla. Montou sua equipe de governo, transformando em nomes de destaque o atual presidente nacional do PT, Rui Falcão, e os atuais deputados federais Jilmar Tatto, Carlos Zarattini e Arlindo Chinaglia. Instituiu os Centros Educacionais Unificados (CEUs) e o bilhete único, mas irritou os paulistanos ao criar tributos, que lhe valeram o apelido de Martaxa. Apesar de perder a reeleição para o tucano José Serra, o partido manteve-lhe o apoio.

Em 2008, em nova tentativa de retornar à ribalta, candidatou-se à prefeitura de São Paulo novamente. Mas, segundo articuladores do próprio PT, fez uma campanha errática, com análises políticas equivocadas e questionamentos piores ainda, como a célebre insinuação de que o atual prefeito, Gilberto Kassab, seria homossexual: "Ele é casado, tem filhos?". Kassab foi eleito em segundo turno. Daquele momento em diante, o PT começou a avaliar que o projeto outrora vitorioso tinha esgotado seu potencial político. Marta separou-se de Favre e engatou um romance com Márcio Toledo. Decidiu fazer uma campanha independente para o Senado e se afastou dos antigos aliados. Quebrou-se o encanto e iniciou-se o isolamento que levou ao atual quadro.

Os sete passos Relembre momentos cruciais da cronologia política de Marta Suplicy

1994 Sem José Dirceu, que disputou o governo de São Paulo, e Aloizio Mercadante, que se tornou vice na chapa de Lula, Marta é eleita deputada federal pelo PT, com 76.133 votos.

1998 Os petistas têm certeza que a eleição está perdida e lançam Marta "apenas para constar". Ela disputa o governo de São Paulo e quase vai para o segundo turno. Recebe 3,73 milhões de votos — 800 mil a menos que o tucano Mário Covas, que contabiliza 3,813 milhões.

2000 Vista como uma potência eleitoral, agrega apoios internos no partido e consegue ser eleita prefeita de São Paulo, com 3,247 milhões de votos. Paulo Maluf, segundo colocado, recebe 2,303 milhões.

2004 Bem avaliada no governo, busca a reeleição. Mas perde para José Serra, o candidato da máquina tucana, que trazia o recall da eleição presidencial de 2002. Serra recebe 3,33 milhões de votos e Marta, 2,740 milhões.

2008 Novamente, tenta a prefeitura de São Paulo. Mas conduz uma campanha errática, exagera em alguns ataques aos adversários e acaba derrotada pela então demista Gilberto Kassab, que conquista 3,79 milhões de votos, contra 2,088 milhões de Marta.

2010 É eleita para a segunda vaga de senadora por São Paulo, com 8,31 milhões de votos. O tucano Aloysio Nunes Ferreira recebe 11,189 milhões e também chega ao Senado.

2011 Torna-se vice-presidente do Senado. Tenta disputar as prévias para a prefeitura paulistana, mas o ex-presidente Lula a convence a retirar a candidatura em prol do ministro da Educação, Fernando Haddad.