Correio braziliense, n. 19545, 29/11/2016. Política, p. 2

PGR pede cópia dos grampos de ex-ministro

Gravações de conversas do ex-titular da Cultura com Temer e equipe do governo estão com a Polícia Federal. Planalto deve anunciar o substituto de Geddel somente depois da votação da PEC do teto dos gastos no Senado. Líder do governo ironiza pedido de impeachment

Por: Eduardo Militão e Júlia Chaib

 

A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu ontem que a Polícia Federal envie cópias dos áudios das conversas que o ex-titular da Cultura Marcelo Calero gravou com o presidente Michel Temer e ministros da equipe do governo antes de pedir demissão. Segundo o ex-integrante do Executivo, a conversa com o presidente da República é um telefonema de seu pedido de demissão, apenas “protocolar”. As demais conversas, que envolvem os pedidos do ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima e Eliseu Padilha, da Casa Civil, não foram detalhadas ainda.

A PGR entende que o simples depoimento de Calero não é suficiente para decidir se pede investigação contra Geddel e, eventualmente, o próprio Temer e o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. Depois de pedir demissão, Calero voltou para o Rio de Janeiro. Em 19 de novembro, prestou depoimento ao delegado Josélio Azevedo. Nele, relatou pressão de Temer para que desse uma “solução” para o problema do apartamento.

Geddel comprou um imóvel de luxo, na planta, no 23º andar do edifício La Vue Ladeira da Barra, à beira da Baía de Todos os Santos, em Salvador, avaliado em R$ 3,4 milhões. No entanto, o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), subordinado ao Ministério da Cultura, embargou a obra do 13º pavimento para cima alegando que o tamanho do prédio comprometeria a paisagem da região tombada. Para evitar que isso acontecesse, o então ministro da Secretaria de Governo procurou Calero para “acompanhar” o caso, embora negue a pressão e o conflito ético com sua atitude. Em resposta por escrito e em entrevista, o presidente Michel Temer disse que tentou “arbitrar” a discussão entre os órgãos e sugeriu remeter o caso à Advocacia-Geral da União (AGU).

Calero foi procurado por Eliseu Padilha, que admitiu que também sugeria a interferência da AGU no caso. “O ex-ministro ignorou a sugestão”, contou Padilha em nota. O ex-ministro da Cultura gravou os interlocutores em conversas telefônicas por sugestão de amigos que tem na Polícia Federal.

 

Afastamento

Ontem, o PSol pediu o impeachment de Michel Temer. Já o PT solicitou investigação na PGR. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), afirmou que tanto um pedido quanto o outro “não tem cabimento”. “É uma manobra política tentando acompanhar, mas não tem dimensão nem razoabilidade”, afirmou o peemedebista.

No pedido de impeachment de Temer, o presidente do PSol, Raimundo Araújo, diz que “as interferências do chamado ‘núcleo palacial’ persistiram” contra Calero. “E a participação do presidente da República passou a ser mais direta”, continua. Para o partido, tudo foi feito para resolver um problema particular de Geddel. “Está claro, portanto, que o lobby realizado por ministros do Palácio do Planalto, com o auxílio do presidente da República, não tinha, em momento algum, o objetivo de defender um interesse público”, afirma Araújo. “Ao tomar conhecimento dos fatos narrados pelo ministro Calero, o presidente tinha a obrigação legal de apurá-los e, se fosse o caso, responsabilizar os ministros Geddel e Eliseu Padilha. No entanto, ao contrário do que determinam a Constituição Federal, a lei, a ética e a moral, o presidente Michel Temer usou sua autoridade hierárquica para constranger o ministro da Cultura a praticar a conduta inconstitucional e ilegal, em virtude de um interesse pessoal de seu articulador político, Geddel.”

Jucá disse que a iniciativa do PSol é apenas “ação política”. “Para entrar com um pedido em cima do presidente, tem que explicar por que a gráfica da UFRJ estava rodando material de campanha para o candidato”, provocou. Ele destacou que Temer quer que as gravações venham a público.

De acordo com Jucá, o substituto de Geddel, que deixou o governo uma semana depois de Calero, não sairá esta semana, pelo menos não antes da votação da PEC do teto de gastos. Além de tentar criar uma agenda positiva ao anunciar que vetará qualquer tentativa de anistiar o caixa dois, Temer tem procurado participar de diversos eventos para mostrar um ar de normalidade. Ontem, o presidente participou de debate do projeto Brasil Futuro 2ª Edição. Hoje, estará em solenidade no Tribunal de Contas da União (TCU).

 

“Instabilidades são passageiras”

O presidente Michel Temer minimizou ontem “instabilidades institucionais”.  “De vez em quando há uma certa instabilidade institucional. Qualquer fatorzinho abala. O investidor fica assustado. Essas instabilidades são passageiras e não podem ser levadas a sério. Levado a sério tem que ser o país”, disse. Temer falou a uma plateia formada por executivos, em que apresentou um painel com empresários. No discurso, o presidente ressaltou a importância das reformas que tenta encampar, como a previdenciária, e ainda comentou manifestações que ocorrem em seu governo. “Não temos que nos impressionar com os movimentos sociais, porque são postulações legitimas. Isso nos faz ficar mais atentos para alcançar o crescimento do país”, afirmou.